Sem nenhum acordo após duas reuniões, Ministro Luiz
Fux, do STF, terá de julgar o processo. Entidades já apresentaram
pedidos para opinar no processo
Fonte: iG
O julgamento da ação que contesta o uso da obra Caçadas de Pedrinho ,
de Monteiro Lobato, nas escolas brasileiras só será realizado quando os
ministros terminarem de julgar o mensalão. Isso significa que, pelo
menos, até o início do mês que vem, nenhuma decisão será tomada. Por
causa da polêmica do tema, o ministro Luiz Fux, relator do processo,
deve dividir com os colegas a avaliação do tema. Até lá, no entanto,
entidades com diferentes pontos de vista se movimentam para participar
do processo de alguma forma. Todas querem opinar sobre o tema.
De acordo com a assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal
(STF), onde o mandado de segurança de nº 30952 será julgado, quatro
entidades (além de duas pessoas interessadas) já apresentaram pedidos
para atuar como amicus curiae – “amigos da corte” – no julgamento. O
ministro Luiz Fux, relator da ação no tribunal, precisa avaliar se as
entidades e as pessoas interessadas têm “representatividade adequada
para se manifestar” sobre o tema.
Se o ministro concordar, todos terão direito de expor suas ideias sobre
o caso antes ou durante o julgamento. Por enquanto, o Instituto
Afrobrasileiro de Ensino Superior, o Instituto Nzinga, a Sociedade
Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural (Afrobras) e a Educafro
já apresentaram petições. Outras duas pessoas, cujos nomes não foram
divulgados pelo STF, também. A família de Lobato já avisou que quer
acompanhar de perto a avaliação.
A ação apresentada por Antonio Costa Neto e o Instituto de Advocacia
Racial e Ambiental (Iara) pede a suspensão da compra das obras ou a
formação e capacitação dos educadores para utilizá-las de forma
adequada, além da fixação de nota técnica nos livros. O advogado
Humberto Adami, representante do Iara, ressalta que o interesse deles
não é “censurar ou banir” a obra.
“Reitero não ser nosso desiderato a censura ou banimento de quem quer
seja, mas a obediência às regras do Programa Nacional Biblioteca na
Escola, que proíbe o financiamento de livros com ‘expressões de
preconceito ou estereótipo’. Nosso compromisso é com o respeito e à
liberdade às leis do País e o combate ao racismo contra negras e
negros”, diz. Para os autores da ação, Caçadas de Pedrinho contém
conteúdos racistas.
Na avaliação do Ministério da Educação, a divulgação do parecer
elaborado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) sobre a obra e a
formação já realizada com os professores nas escolas contemplam esses
pedidos.
Embates
Álvaro Gomes, administrador da obra de Monteiro Lobato, afirma que a
família pretende acompanhar o julgamento de perto. Os advogados também
devem apresentar pedidos de amicus curiae. “Os herdeiros torcem para que
o bom senso prevaleça, afinal são várias gerações que leram e ainda
leem Lobato e não se tem conhecimento que se tornaram adultos racistas.
As manifestações pelo Brasil a favor de Lobato nos levam a crer estarmos
certos”, afirma. Ele cita petições públicas que estão no ar em favor
das obras.
Para o Frei David Santos, diretor-executivo da Educafro, esse não é um
debate “de entidades”. “Esse não é um processo pessoal. Quem ganha com
esse debate é a sociedade e decidimos participar para evidenciar isso.
Nós entendemos que um documento apenas orientador como propõe o MEC tem
pouca chance de ser levado a sério”, afirma.
Ele lembra que, em 1986, uma cartilha chamada O Sonho de Talita, das
autoras Manoelita Bueno e Maria do Carmo Guimarães, também foi
questionada por conta de seu conteúdo. “O equívoco da obra foi
reconhecido e queremos o mesmo”, diz.
Negociações
Durante as reuniões de conciliação, os autores da ação apresentaram uma
proposta que deixava de pedir a proibição do uso da obra, mas exigiam
que o livro servisse para promover uma educação antirracista. A grande
divergência entre os argumentos do MEC e dos críticos para se alcançar
esse objetivo está, principalmente, na preparação dos professores.
Propostas: Autores de ação contra Lobato querem educação étnico-racial para professores
Entre os pedidos apresentados pelos autores da ação, estão a criação de
disciplinas que correspondam a, pelo menos, 15% dos currículos na
formação inicial dos profissionais de educação (seja em cursos técnicos,
de graduação, pós, especialização ou de extensão); a inclusão do tema
nos projetos político-pedagógicos das próprias universidades e dos
cursos antes de liberar autorizações, credenciamentos, recredenciamentos
e renovações de curso.
Além disso, querem que a disciplina sirva como critério de pontuação no
Sinaes, o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. É essa
análise que garante às instituições a atividade de cursos e câmpus. As
universidades precisam renovar as autorizações de funcionamento de
tempos em tempos. Neto acredita que as instituições só obedeceriam a
determinação de criar a disciplina caso ela recebesse pontos na
avaliação.
O início da polêmica
Em outubro de 2010, o uso do livro de Monteiro Lobato se tornou o
centro de uma polêmica sobre as obras literárias que poderiam fazer
parte do cotidiano das crianças brasileiras. O Conselho Nacional de
Educação (CNE) publicou um parecer recomendando que os professores
tivessem preparo para explicar aos alunos o contexto histórico em que
foi produzido, por considerarem que há trechos racistas na história.
A primeira recomendação dos conselheiros (parecer nº 15/2010) era para
não distribuir o livro nas escolas. Escritores, professores e fãs saíram
em defesa de Monteiro Lobato . Com a polêmica acirrada em torno do
tema, o ministro da Educação à época, Fernando Haddad, não aprovou o
parecer e o devolveu ao CNE , que então mudou o documento, recomendando
que uma nota explicativa – sobre o conteúdo racista de trechos da obra –
fizesse parte dos livros.
Negrinha
No dia 25 de setembro, o mesmo grupo apresentou mais um questionamento
referente a outra obra de Monteiro Lobato. Antonio Gomes da Costa Neto
pediu à Controladoria Geral da União (CGU) que investigue a aquisição de
do livro Negrinha pelo PNBE em 2009. De acordo com levantamento feito
por ele, 11.093 exemplares de Negrinha foram destinados a colégios de
ensino médio e, segundo ele, mais uma vez, a legislação antirracista não
foi respeitada. Ele também pede a suspensão da distribuição dos livros
"até que se promova a devida formação inicial e continuada dos
profissionais de educação".