Quem sou eu
- Konceyção
- Santa Cruz do Capibaribe/ Caruaru, NE/PE, Brazil
- Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.
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terça-feira, 18 de janeiro de 2011
A falsa liberdade e a síndrome do “ter de”:
A falsa liberdade e a síndrome do “ter de”: essa é uma manifestação típica do nosso tempo, contagiosa e difícil de curar porque se alimenta da nossa fragilidade, do quanto somos impressionáveis, e da força do espírito de rebanho que nos condiciona a seguir os outros. Eu tenho de fazer o que se espera de mim. Tenho de ambicionar esses bens, esse status, esse modo de viver – ou serei diferente, e estarei de fora.
Temos muito mais opções agora de que alguns anos atrás, as possibilidades que se abrem são incríveis, mas escolher é difícil: temos de realizar tantas coisas, são tantos os compromissos, que nos falta o tempo para uma análise tranquila , uma decisão sensata, um prazer saboreado.
A gente tem de ser, como escrevi tantas vezes, belo, jovem, desejado, bom de cama (e de computador). Ou a gente tem de ser o pior, o mais relaxado, ou o mais drogado, o chefe da gangue, a mais sedutora, a mais produzida. Outra possibilidade é ter de ser o melhor pai, o melhor chefe, a melhor mãe, a melhor aluna; seja o que for, temos de estar entre os melhores, fingindo não ter falhas nem limitações. Ninguém pode se contentar em ser como pode: temos de ser muito mais que isso, temos de fazer o impossível, o desnecessário, até o absurdo, o que não nos agrada – ou estamos de fora.
A gente tem de rir dos outros, rebaixar ou denegrir nem que seja mais simples parceiro de trabalho ou o colega da escola com alguma deficiência ou dificuldade maior. A gente tem de aproveitar o mais que puder, e isso muitos pais incutem na cabeça dos filhos: case tarde, aproveite antes! (O que significa isso?) A gente tem de beber em preparação para a balada, beijar o maior número possível de bocas a cada noite, a gente tem de.
A propaganda nos atordoa: temos de ser grandes bebedores (daquela marca de bebida, naturalmente), comprar o carro mais incrível, obter empréstimos com menos juros, fazer a viagem maravilhosa, ter a pele perfeita, mostrar os músculos mais fortes, usar o mais moderno celular, ir ao resost mais sofisticado.
Até no luto temos de assumir novas posturas: sofrer vai ficando fora de moda.
Contrariando a mais elementar psicologia, mal perdemos uma pessoa amada, todos nos instigam a passar por cima. “Não chore, reaja”, é o que mais ouvimos. “Limpe a mesa dele, tire tudo do armário dela, troque móveis, roupas de cama, mude de casa.” Tristeza e recolhimento ofendem nossa paisagem de papelão colorido. Saímos do velório e esperam que se vá depressa pegar a maquilagem, correr para a academia, tomar o antidepressivo, depressa, depressa, pois os outros não agüentam mais, quem quer saber da minha dor?
O “ter de” nos fazer correr por aí com algemas nos tornozelos, mas talvez a gente só quisesse ser um pouco mais tranquilo, mas enraizado, mais amado, com algum tempo para curtir as coisas pequenas e refletir. Porém temos de estar sempre à frente, ainda que na fila do SUS.
Se pensar bem, verei que não preciso ser magro em atlético nem um modelo de funcionário, não preciso ter muito dinheiro ou conhecer Paris, não preciso nem mesmo ser importante ou bem-sucedido. Precisaria, sim, ser um sujeito decente,encontrar alguma harmonia comigo mesmo, com os outros, e com a natureza na qual fervilha a vida e a morte apaziguadora.
Em lugar disso, porém, abraçamos a frustração, e com ela a culpa.
A culpa, disse o personagem de um filme “é como uma mochila cheia de tijolos. Você carrega de um lado para o outro, até o fim da vida. Só tem um jeito: jogá-la fora”. Mas ela tem raízes fundas em religiões e crenças, em ditames da família, numa educação pelo excessivo controle e na deseducação pela indiferença, na competitividade no trabalho e na pressão de nosso grupo, que cobra demais.
Dizem que devemos nos informar melhor, mas quanto mais informação, mais dúvidas; quanto mais abertura, mais opções; quanto mais olhamos, mais se expande a tela onde se projetam nossos desejos.
Nessa rede de complexidades, seria bom resistir à máquina da propaganda e buscar a simplicidade, não sucumbir ao impulso da manada que corre cegamente em frente. Com sorte, vamos até enganar o tempo sendo sempre jovens, sendo quem sabe imortais com nariz diminuto, boca ginecológica e olhar fatigado num rosto inexpressivo. Não nos faltam recursos: a medicina, a farmácia, a academia, a ilusão, nos estendem ofertas que incluem músculos artificiais, novos peitos, pele de porcelana, e grandes espelhos, espelho, espelho meu. Mas a gente nem sabe direito onde está se metendo, e toca a correr porque ainda não vimos tudo, não fizemos nem a metade, quase nada entendemos. Somos eternos devedores.
Ordens aqui e ali, alguém sopra as falas, outro desenha os gestos, vai sair tudo bem: nada depressivo nem negativo, tudo tem de parecer uma festa, noite de estreia com adrenalina e aplausos ao final.
(No livro - Múltipla Escolha, Ed. Record, 2010)
Lya Fett Luft (Santa Cruz do Sul, 15 de setembro de 1938) é uma romancista, poetisa e tradutora brasileira. É também professora universitária e colunista da revista semanal Veja. Iniciou sua vida literária na década de 1960, como tradutora de literaturas em alemão e inglês. Luft já traduziu para o português mais de cem livros. Entre esses destacam-se traduções de Virginia Wolf, Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann. Formada em letras anglo-germânicas, Lya tem mestrados em literatura brasileira e linguística aplicada plea Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). (fonte: Wikipédia).
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