Ana Martins Marques - Nossa Aposta
A estreia de Ana Martins Marques com A Vida Submarina é tão importante para a poesia brasileira quanto o primeiro livro de Adélia Prado, Bagagem, de 1976. Ambas as publicações exibem um desembaraço de linguagem, um coloquialismo, que eleva o prosaico e desmistifica o grandioso, desnudando nossos pecados e manias com graça e malícia. A diferença é que A Vida Submarina, de 2009, saiu por uma pequena editora de Belo Horizonte, a Scriptum, não está à venda em outras capitais e não teve a sorte de contar com Carlos Drummond de Andrade vivo para festejar sua chegada.
A mineira Ana tem o olho ruidoso do tímido. É jovem o suficiente para ser absolutamente honesta. Aos 32 anos, ainda está se acostumando com a abstinência do cigarro e namora o contista Marcílio França Castro, autor de A Casa dos Outros e seu confidente de gavetas. Apesar do começo no mundo literário duplamente vencedor - ganhou o Prêmio Cidade de Belo Horizonte por duas edições consecutivas (2007 e 2008) -, o caminho para a publicação não foi fácil. "Tive algumas recusas e vários silêncios", lembra. Sem gatos, sem cachorros, sem peixes, vivendo sozinha, nem sequer se enxerga como escritora, mas como alguém que escreve. Talvez porque a escrita seja tão antiga como sua infância. "Escrever é quase sempre tentar escrever", diz. Ela poetiza devagar e corta rápido. "Sou uma excelente descartadora. Diria que descarto bem melhor do que escrevo."
Divide com a biografia de Drummond a garantia mensal do contracheque de funcionário público, conciliando o expediente numa repartição com os devaneios noturnos. Pode ser encontrada na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, onde atua como redatora e revisora. Sua ligação com as letras ocorre mais na universidade do que em saraus. Cursa doutorado em literatura comparada, depois de concluir uma dissertação de mestrado sobre o romancista gaúcho João Gilberto Noll.
Sua timidez gera gafes involuntárias. Encarna diariamente o personagem de O Mau Vidraceiro, célebre poema em prosa de Charles Baudelaire: ao não desejar incomodar, chama mais atenção. Com 142 páginas, A Vida Submarina resulta dessa violência desajeitada, dissimulada pela aparência discreta. Os versos têm a marca de um achado resmungado, movidos por uma autocrítica bem-humorada.
A poeta, sobretudo, apresenta carisma, esse ingrediente misterioso que eleva a identificação ao patamar de intimidade. É cínica, porém suave: "O síndico pergunta por você,/ depois me olha como se o divórcio/ acabasse de ser inventado". É sensual, porém desafiadora do senso comum: "Sou alérgica ao desejo -/ doem-me os olhos,/ incham-me as pernas,/ o sexo arde/ como uma caixa de abelhas". É cruel, porém amorosa: "Você só lê/ os livros que trago". É reflexiva e culta, porém muito urbana, com suas armações coloquiais: "Dizem que Cézanne/ quando certa vez pintou um quadro/ deixando inacabada parte de uma maçã/ pintou apenas a parte da maçã/ que compreendia".
Há em Ana uma aceitação natural das imperfeições, a perdoar qualquer loucura. Ela adivinha pensamentos, tenta descobrir incendiários nas cozinhas mais pacatas. De sua retração, preparou uma sobremesa francesa: fria por fora e quente por dentro.
Fabrício Carpinejar é poeta, cronista e jornalista, autor de Canalha! e Meu Filho, Minha Filha, entre outros.
FONTE: http://bravonline.abril.com.br/materia/ana-martins-marques-nossa-aposta
DA ARTE DAS ARMADILHAS |
Da arte das armadilhas é seu segundo livro. A Companhia das Letras está especialmente orgulhosa de contar com a autora em sua coleção de poesia contemporânea, certa de que essa é uma voz que surge para ocupar um lugar no cenário dos poetas importantes do país, enriquecendo-o com sua particularidade.
Na orelha do livro, Armando Freitas Filho narra uma conversa com outro poeta: “Você já leu o livro da Ana Martins Marques? Você tem que ler”, e conclui: “Mergulhei de ponta-cabeça, fui de capa a capa num fôlego só”.
Ana Martins Marques Autor |
http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13107
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