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Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

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quarta-feira, 13 de março de 2013

Vygotsky e o conceito de pensamento verbal


Vygotsky e o conceito de pensamento verbal
Para Vygotsky, é o pensamento verbal que nos ajuda a organizar a realidade em que vivemos
Camila Monroe e Rodrigo Ratier
. Ele realizou experimentos com crianças para entender qual a função da união entre a linguagem e o pensamento e sua relação com a evolução
Um dos grandes saltos evolutivos do homem em relação aos outros animais se deu quando ele adquiriu a linguagem, ou seja, quando aprendeu a verbalizar seus pensamentos (leia o trecho de livro na página seguinte). É por meio das palavras que o ser humano pensa. A generalização e a abstração só se dão pela linguagem e com base nelas melhor compreendemos e organizamos o mundo à nossa volta. Um dos maiores estudiosos sobre essa habilidade humana foi o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934), que em meados dos anos 1920 criou o conceito de pensamento verbal (leia um resumo do conceito na última página).

Vygotsky dedicou anos de estudo para compreender as relações entre o pensamento e a linguagem - e esse foi um dos maiores acertos de seu
trabalho. Até então, os estudos sobre o tema buscavam dissecar os dois conceitos isoladamente. De acordo com João Batista Martins, professor da Universidade Estadual de Londrina (UEL), entender o desenvolvimento humano desmontando as partes que o constituem é errado. "Vygotsky reconhecia a independência dos elementos, mas afirmava que o caminho era compreender como um se comporta em relação ao outro, como eles interagem em suas fases iniciais", explica.

Para compreender essas relações, Vygotsky buscou analisar o desenvolvimento da criança. De acordo com ele, mesmo antes de dominar a linguagem, ela demonstra capacidade de resolver problemas práticos, de utilizar instrumentos e meios para atingir objetivos. É o que o pesquisador chamou de fase pré-verbal do pensamento. Ela é capaz, por exemplo, de dar a volta no sofá para pegar um brinquedo que caiu atrás dele e que não está à vista. Esse conhecimento prático independe da linguagem e é considerado uma inteligência primária, também encontrada em primatas como o macaco-prego, que usa varetas para cutucar árvores à procura de mel e larvas de insetos.

Embora não domine a linguagem como um sistema simbólico, os pequenos também utilizam manifestações verbais. O choro e o riso têm a função de alívio emocional, mas também servem como meio de contato social e de comunicação. É o que Vygotsky chamou de fase pré-intelectual da linguagem. Essas fases podem ser associadas ao período sensório-motor descrito pelo psicólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), no qual a ação da criança no mundo é feita por meio de sensações e movimentos, sem a mediação de representações simbólicas. "É a fase na qual a criança depende de sentidos como a visão para atuar no mundo e se manifesta exclusivamente por meio de sons e gestos, ligados à inteligência prática", diz Martins.

Por volta dos 2 anos de idade, o percurso do pensamento encontra-se com o da linguagem e o cérebro começa a funcionar de uma nova forma. A fala torna-se intelectual, com função simbólica, generalizante, e o pensamento torna-se verbal, mediado por conceitos relacionados à linguagem.
O significado das palavras une pensamento e linguagem
No livro
Vygotsky - Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl, professora da Universidade de São Paulo (USP), afirma que o significado das palavras tem papel central: é nele que pensamento e linguagem se unem. Para Vygotsky, os significados apresentam dois componentes: o primeiro diz respeito à acepção propriamente dita, capaz de fornecer os conceitos e as formas de organização básicas. Por exemplo, a palavra cachorro: ela denomina um tipo específico de animal do mundo real. Mesmo que as experiências e a compreensão das pessoas sobre determinado elemento sejam distintos, de imediato o conceito de cachorro será adequadamente entendido por qualquer pessoa de um grupo que fale o mesmo idioma.
O segundo componente é o sentido. Mais complexo, é o que a palavra representa para cada pessoa e é composto da vivência individual. Vygotsky pretendeu ir além da dimensão cognitiva e inscreve a criança em seu universo social, relacionando afetividade ao processo de construção dos significados. Desse modo, concluiu que uma pessoa traumatizada com algum episódio em que foi atacada por um cachorro, por exemplo, dará à palavra uma acepção diferente e absolutamente particular - agressão, medo, dor, raiva ou violência, por exemplo.
O sentido também está relacionado ao intercâmbio social
(leia a questão de concurso na próxima página). Quando vários membros de um mesmo grupo se relacionam, eles atribuem, com base nessas relações, interpretações diferentes às palavras. É isso o que ocorre na escola. Ao começar a frequentá-la, a criança recebe a intervenção do educador, o que fará com que a transformação do significado se dê não mais apenas pela experiência vivida, mas por definições, ordenações e referências já consolidadas em sua cultura. Assim, ela não vai só aprender que a Lua é diferente de uma lâmpada - em algum momento da vivência com qualquer indivíduo mais velho -, como também acrescerá outros sentidos às palavras, entendendo que a Lua é um satélite, que gira em torno da Terra, que é diferente das estrelas e daí em diante. "Esse é um processo que nunca acaba, que continua ocorrendo até deixarmos de existir", conclui Martins.
Trecho de livro
"A comunicação por meio de movimentos expressivos, observada principalmente entre animais, é mais uma efusão afetiva do que comunicação."
Lev Vygotsky no livro
A Construção do Pensamento e da Linguagem
BIBLIOGRAFIA
A Construção do Pensamento e da Linguagem, Lev Vygotsky, 520 págs., Ed. WMF Martins Fontes, tel. (11) 2167-9900, 71,76 reais
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione, tel. 0800-161-700, 30,90 reais
Vygotsky & a Educação, João Batista Martins, 112 págs., Ed. Autêntica, tel. (31) 3222-6819 (edição esgotada) 
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 244, Agosto 2011. Título original: A força da linguagem

Vygotsky e o conceito de aprendizagem mediada


Vygotsky e o conceito de aprendizagem mediada
Para Vygotsky, o professor é figura essencial do saber por representar um elo intermediário entre o aluno e o conhecimento disponível no ambiente
Camila Monroe. Colaborou Laize Lima

 Para Vygotsky, a presença de um adulto capaz de planejar as etapas do aprendizado é ponto central para a criança adquirir conhecimentos do grupo de que faz parte
No início da infância, explorar o ambiente é uma das maneiras mais poderosas que a criança tem (ou deveria ter) à disposição para aprender. Ela se diverte ao ouvir os sons das teclas de um piano, pressiona interruptores e observa o efeito, aperta e morde para examinar a textura de um ursinho de pelúcia e assim por diante. Essa lista de atividades, entretanto, pode dar a impressão de que, para adquirir saberes, basta o contato direto com o objeto de conhecimento. Na realidade, boa parte das relações entre o indivíduo e seu entorno não ocorre diretamente. Para levar a água à boca, por exemplo, a criança utiliza um copo. Para alcançar um brinquedo em cima da mesa, apoia-se num banquinho. Ao ameaçar colocar o dedo na tomada, muda de ideia com o alerta da mãe - ou pela lembrança de um choque. Em todos esses casos, um elo intermediário se interpõe entre o ser humano e o mundo.

Em sua obra, o bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) dedicou espaço a estudar esses filtros entre o organismo e o meio. Com a noção de mediação, ou aprendizagem mediada
(leia um resumo do conceito na última página), o pesquisador mostrou a importância deles para o desenvolvimento dos chamados processos mentais superiores - planejar ações, conceber consequências para uma decisão, imaginar objetos etc.

Tais mecanismos psicológicos distinguem o homem dos outros animais e são essenciais na aquisição de conhecimentos. Vygotsky demonstrou essa característica referindo-se a diversos experimentos realizados com animais. Num deles, um macaco conseguia pegar uma banana no alto de uma jaula se visse um caixote no mesmo ambiente. No entanto, se não houvesse o caixote, o símio nem sequer cogitaria buscar outro objeto que o aproximasse de seu objetivo. O ser humano, por outro lado, agiria de forma diferente. "Enquanto o macaco precisa ver o instrumento, o ser humano consegue imaginá-lo ou conceber outro com a mesma função", afirma Marta Kohl de Oliveira, professora da Universidade de São Paulo (USP).
Elementos mediadores: os instrumentos e os signos

O exemplo também é útil para distinguir os dois tipos de elementos mediadores propostos por Vygotsky. O primeiro são os instrumentos. Ao se interpor entre o homem e o mundo, eles ampliam as possibilidades de transformação da natureza: o machado permite um corte mais afiado e preciso, uma vasilha facilita o armazenamento de água etc. Alguns animais, sobretudo primatas, podem até utilizá-los eventualmente, mas é o homem que concebe um uso mais sofisticado: guarda instrumentos para o futuro, inventa novos e deixa instruções para que outros os fabriquem.

O segundo elemento mediador, o signo, é exclusivamente humano. Na definição do dicionário
Houaiss, signo é "qualquer objeto, forma ou fenômeno que representa algo diferente de si mesmo". A linguagem, por exemplo, é toda composta de signos: a palavra cadeira remete ao objeto concreto cadeira. Perceba que você certamente pode imaginar uma agora mesmo sem a necessidade de vê-la. Para o homem, a capacidade de construir representações mentais que substituam os objetos do mundo real é um traço evolutivo importante: "Ela possibilita libertar-se do espaço e do tempo presentes, fazer relações mentais na ausência das próprias coisas, fazer planos e ter intenções", escreve Marta no livro Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico.

A mesma característica também é fundamental para a aquisição de conhecimentos, pois permite aprender por meio da experiência do outro
(leia o trecho de livro na terceira página). Uma criança, por exemplo, não precisa pôr a mão na chama de uma vela para saber que ela queima. Esse conhecimento pode ser adquirido, por exemplo, com o conselho da mãe. Quando o pequeno associa a representação mental da vela à possibilidade de queimadura, ocorre uma internalização do conhecimento - e ele já não precisa das advertências maternas para evitar acidentes.
A interação tem uma função central no processo de internalização

Para Vygotsky, a interação (principalmente a realizada entre indivíduos face a face) tem uma função central no processo de internalização. No livro
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, afirma que "o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa por outra pessoa". Por isso, o conceito de aprendizagem mediada confere um papel privilegiado ao professor.

É evidente que não se adquire conhecimentos apenas com os educadores: na perspectiva da teoria sociocultural desenvolvida por Vygotsky, a aprendizagem é uma atividade conjunta, em que relações colaborativas entre alunos podem e devem ter espaço
(leia a questão de concurso na próxima página). "Mas o professor é o grande orquestrador de todo o processo. Além de ser o sujeito mais experiente, sua interação tem planejamento e intencionalidade educativos", explica Maria Teresa de Assunção Freitas, docente da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

É preciso atenção, entretanto, para evitar uma deturpação no que diz respeito à aplicação prática da ideia de mediação. Por acreditarem que o aprendizado se dá apenas na relação entre indivíduos, alguns educadores apressam-se em organizar aulas em que todas as atividades são realizadas em grupo. Trata-se de um entendimento incorreto do conceito: não é porque a aquisição de conhecimentos ocorre, sobretudo, nas interações que estar sempre em contato com o outro é uma prerrogativa essencial às aulas. "Os momentos de internalização são essenciais para consolidar o aprendizado. Eles são individuais e reflexivos por definição e precisam ser considerados na rotina das aulas", finaliza Maria Teresa.
Trecho de livro
"O aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer."
Lev Vygotsky no livro
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores


BIBLIOGRAFIA
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Lev Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3116-0000 (edição esgotada)
O Pensamento de Vygotsky e Bakhtin no Brasil, Maria Teresa de Assunção Freitas, 192 págs., Ed. Papirus, tel. (19) 3272-4500 (edição esgotada)
Vygotsky: Aprendizado e Desenvolvimento, um Processo Sócio-Histórico, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione, tel. 0800-161-700, 30,90 reais
Publicado em NOVA ESCOLA Edição 243, Junho/Julho 2011. Título original: Elos do conhecimento

Vygotsky e o conceito de zona de desenvolvimento proximal


Vygotsky e o conceito de zona de desenvolvimento proximal
Para Vygotsky, o segredo é tirar vantagem das diferenças e apostar no potencial de cada aluno
Ivan Paganotti
Censura e vida breve Nascido na Bielorrússia, Vygotsky viveu seus anos mais produtivos sob a ditadura de Stalin, na antiga União Soviética. Teve seus livros proibidos e morreu cedo, aos 37 anos
Todo professor pode escolher: olhar para trás, avaliando as deficiências do aluno e o que já foi aprendido por ele, ou olhar para a frente, tentando estimar seu potencial. Qual das opções é a melhor? Para a pesquisadora Cláudia Davis, professora de psicologia da Educação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), sem a segunda fica difícil colocar o estudante no caminho do melhor aprendizado possível. "Esse conceito é promissor porque sinaliza novas estratégias em sala de aula", diz Cláudia. O que interessa, na opinião da especialista, não é avaliar as dificuldades das crianças, mas suas diferenças. "Elas são ricas, muito mais importantes para o aprendizado do que as semelhanças."

Não há um estudante igual a outro. As habilidades individuais são distintas, o que significa também que cada criança avança em seu próprio ritmo. À primeira vista, ter como missão lidar com tantas individualidades pode parecer um pesadelo. Mas a pesquisadora garante: o que realmente existe aí, ao alcance de qualquer professor, é uma excelente oportunidade de promover a troca de experiências.

Essa ode à interação e à valorização das diferenças é antiga. Nas primeiras décadas do século 20, o psicólogo bielorrusso Lev Vygotsky (1896-1934) já defendia o convívio em sala de aula de crianças mais adiantadas com aquelas que ainda precisam de apoio para dar seus primeiros passos. Autor de mais de 200 trabalhos sobre Psicologia, Educação e Ciências Sociais, ele propõe a existência de dois níveis de desenvolvimento infantil. O primeiro é chamado de real e engloba as funções mentais que já estão completamente desenvolvidas (resultado de habilidades e conhecimentos adquiridos pela criança). Geralmente, esse nível é estimado pelo que uma criança realiza sozinha. Essa avaliação, entretanto, não leva em conta o que ela conseguiria fazer ou alcançar com a ajuda de um colega ou do próprio professor. É justamente aí - na distância entre o que já se sabe e o que se pode saber com alguma assistência - que reside o segundo nível de desenvolvimento apregoado por Vygotsky e batizado por ele de proximal
(leia um resumo do conceito na última página).

Nas palavras do próprio psicólogo, "a zona proximal de hoje será o nível de desenvolvimento real amanhã". Ou seja: aquilo que nesse momento uma criança só consegue fazer com a ajuda de alguém, um pouco mais adiante ela certamente conseguirá fazer sozinha
(leia um trecho de livro na terceira página). Depois que Vygotsky elaborou o conceito, há mais de 80 anos, a integração de crianças em diferentes níveis de desenvolvimento passou a ser encarada como um fator determinante no processo de aprendizado.
Trocas positivas numa via de mão dupla

Com a troca de experiências proposta por Vygotsky, o professor naturalmente deixa de ser encarado como a única fonte de saber na sala de aula. Mas nem por isso tem seu papel diminuído. Ele continua sendo um mediador decisivo, por exemplo, na hora de formar equipes mistas - com alunos em diferentes níveis de conhecimento - para uma atividade em grupo. A principal vantagem de promover essa mescla, na concepção vygotskiana, é que todos saem ganhando. Por um lado, o aluno menos experiente se sente desafiado pelo que sabe mais e, com a sua assistência, consegue realizar tarefas que não conseguiria sozinho. Por outro, o mais experiente ganha discernimento e aperfeiçoa suas habilidades ao ajudar o colega.

"Em algumas atividades, formar grupos onde exista alguém que faça a vez do professor permite que o docente
trabalhe mais diretamente com quem não conseguiria aprender de outra forma", afirma Cláudia. "Deve-se adotar uma estratégia diferente com cada tipo de aluno: o que apresenta desenvolvimento dentro da média, o mais adiantado e o que avança mais lentamente." Não se deve, porém, escolher sempre as mesmas crianças como "ajudantes", deixando as demais sempre em aparente condição de inferioridade. "É importante variar e montar os grupos de acordo com os diferentes saberes que os alunos precisam dominar", complementa a psicóloga Maria Suzana de Stefano Menin, professora da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp).

O educador também não pode se esquecer de outro ponto crucial na teoria de Vygotsky: a zona de desenvolvimento proximal tem limite, além do qual a criança não consegue realizar tarefa alguma, nem com ajuda ou supervisão de quem quer que seja. É papel do professor determinar o que os alunos podem fazer sozinhos ou o que devem trabalhar em grupos, avaliar quais atividades precisam de acompanhamento e decidir quais exercícios ainda são inviáveis mesmo com assistência (por exigir saberes prévios que ainda não estão consolidados ou acessíveis).
Desafios impossíveis e outros erros

Dar de ombros ao conceito das zonas de desenvolvimento pode significar alguns problemas. Por exemplo: ao ignorar o limite proximal, muitas propostas em sala de aula acabam colocando os alunos diante de desafios quase impossíveis
(leia a questão de concurso na próxima página). Corre-se o risco também de formar grupos homogêneos ou permitir que a garotada se organize somente de acordo com suas afinidades. "Nas atividades de lazer, não há a necessidade de restringir esse tipo de organização", afirma a psicóloga Maria Suzana. "Mas é importante aproximar alunos com diferentes níveis de ensino nas atividades em que o domínio dos saberes seja um diferencial."

Quando equívocos como os citados antes ocorrem, geralmente são resultado do desconhecimento da obra de Vygotsky. No Brasil, ainda são poucos os que dominam teorias como a da zona proximal. "Os professores até sabem que o conceito existe, mas não conseguem colocá-lo em prática", diz Cláudia Davis. Se estivesse vivo, o conselho do psicólogo bielorrusso para esses educadores talvez fosse óbvio: interação e troca de experiências com aqueles que sabem mais, exatamente como se deve fazer com as crianças.
Trecho de livro
"O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente."
Lev Vygotsky no livro
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores


BIBLIOGRAFIA
A Formação Social da Mente: O Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores, Lev Vygotsky, 182 págs., Ed. Martins, tel. (11) 3116- 0000, 37,20 reais
O Construtivismo na Sala de Aula, César Coll, Elena Martín, Teresa Mauri, Mariana Miras, Javier Onrubia,
Isabel Solé e Antoni Zabala, 222 págs., Ed. Ática, tel. 0800-11-5152, 40,90 reais
Piaget, Vygotsky, Wallon: Teorias Psicogenéticas em Discussão, Yves de La Taille, Marta Kohl de Oliveira e Heloysa Dantas, 120 págs., Ed. Summus, tel. (11) 3862-3530, 32,90 reais
Vygotsky: Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação, Teresa Cristina Rego, 138 págs., Ed. Vozes,
tel. (24) 2233-9000, 21 reais

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 242, Maio 2011. Título original: A construção do saber

Lev Vygotsky, o teórico do ensino como processo social


Lev Vygotsky, o teórico do ensino como processo social
A obra do psicólogo ressalta o papel da escola no desenvolvimento mental das crianças e é uma das mais estudadas pela pedagogia contemporânea
Márcio Ferrari
Lev Vygotsky
O psicólogo bielo-russo Lev Vygotsky (1896-1934) morreu há mais de 70 anos, mas sua obra ainda está em pleno processo de descoberta e debate em vários pontos do mundo, incluindo o Brasil. "Ele foi um pensador complexo e tocou em muitos pontos nevrálgicos da pedagogia contemporânea", diz Teresa Rego, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Ela ressalta, como exemplo, os pontos de contato entre os estudos de Vygotsky sobre a linguagem escrita e o trabalho da argentina Emilia Ferreiro, a mais influente dos educadores vivos.
A parte mais conhecida da extensa obra produzida por Vygotsky em seu curto tempo de vida converge para o tema da criação da cultura. Aos educadores interessa em particular os estudos sobre desenvolvimento intelectual. Vygotsky atribuía um papel preponderante às relações sociais nesse processo, tanto que a corrente pedagógica que se originou de seu pensamento é chamada de socioconstrutivismo ou sociointeracionismo.
Surge da ênfase no social uma oposição teórica em relação ao biólogo suíço Jean Piaget (1896-1980), que também se dedicou ao tema da evolução da capacidade de aquisição de conhecimento pelo ser humano e chegou a conclusões que atribuem bem mais importância aos processos internos do que aos interpessoais. Vygotsky, que, embora discordasse de Piaget, admirava seu trabalho, publicou críticas ao suíço em 1932. Piaget só tomaria contato com elas nos anos 1960 e lamentou não ter podido conhecer Vygotsky em vida. Muitos estudiosos acreditam que é possível conciliar as obras dos dois.
Relação homem-ambiente
Os estudos de Vygotsky sobre aprendizado decorrem da compreensão do homem como um ser que se forma em contato com a sociedade. "Na ausência do outro, o homem não se constrói homem", escreveu o psicólogo. Ele rejeitava tanto as teorias inatistas, segundo as quais o ser humano já carrega ao nascer as características que desenvolverá ao longo da vida, quanto as empiristas e comportamentais, que vêem o ser humano como um produto dos estímulos externos. Para Vygotsky, a formação se dá numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade a seu redor - ou seja, o homem modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Essa relação não é passível de muita generalização; o que interessa para a teoria de Vygotsky é a interação que cada pessoa estabelece com determinado ambiente, a chamada experiência pessoalmente significativa.
Segundo Vygotsky, apenas as funções psicológicas elementares se caracterizam como reflexos. Os processos psicológicos mais complexos - ou funções psicológicas superiores, que diferenciam os humanos dos outros animais - só se formam e se desenvolvem pelo aprendizado. Entre as funções complexas se encontram a consciência e o discernimento. "Uma criança nasce com as condições biológicas de falar, mas só desenvolverá a fala se aprender com os mais velhos da comunidade", diz Teresa Rego.
Outro conceito-chave de Vygotsky é a mediação. Segundo a teoria vygotskiana, toda relação do indivíduo com o mundo é feita por meio de instrumentos técnicos - como, por exemplo, as ferramentas agrícolas, que transformam a natureza - e da linguagem - que traz consigo conceitos consolidados da cultura à qual pertence o sujeito.
O papel do adulto
Todo aprendizado é necessariamente mediado - e isso torna o papel do ensino e do professor mais ativo e determinante do que o previsto por Piaget e outros pensadores da educação, para quem cabe à escola facilitar um processo que só pode ser conduzido pelo própria aluno. Segundo Vygotsky, ao contrário, o primeiro contato da criança com novas atividades, habilidades ou informações deve ter a participação de um adulto. Ao internalizar um procedimento, a criança "se apropria" dele, tornando-o voluntário e independente.
Desse modo, o aprendizado não se subordina totalmente ao desenvolvimento das estruturas intelectuais da criança, mas um se alimenta do outro, provocando saltos de nível de conhecimento. O ensino, para Vygotsky, deve se antecipar ao que o aluno ainda não sabe nem é capaz de aprender sozinho, porque, na relação entre aprendizado e desenvolvimento, o primeiro vem antes. É a isso que se refere um de seus principais conceitos, o de zona de desenvolvimento proximal, que seria a distância entre o desenvolvimento real de uma criança e aquilo que ela tem o potencial de aprender - potencial que é demonstrado pela capacidade de desenvolver uma competência com a ajuda de um adulto. Em outras palavras, a zona de desenvolvimento proximal é o caminho entre o que a criança consegue fazer sozinha e o que ela está perto de conseguir fazer sozinha. Saber identificar essas duas capacidades e trabalhar o percurso de cada aluno entre ambas são as duas principais habilidades que um professor precisa ter, segundo Vygotsky.

Expansão dos horizontes mentais
Como Piaget, Vygotsky não formulou uma teoria pedagógica, embora o pensamento do psicólogo bielo-russo, com sua ênfase no aprendizado, ressalte a importância da instituição escolar na formação do conhecimento. Para ele, a intervenção pedagógica provoca avanços que não ocorreriam espontaneamente. Ao formular o conceito de zona proximal, Vygotsky mostrou que o bom ensino é aquele que estimula a criança a atingir um nível de compreensão e habilidade que ainda não domina completamente, "puxando" dela um novo conhecimento. "Ensinar o que a criança já sabe desmotiva o aluno e ir além de sua capacidade é inútil", diz Teresa Rego. O psicólogo considerava ainda que todo aprendizado amplia o universo mental do aluno. O ensino de um novo conteúdo não se resume à aquisição de uma habilidade ou de um conjunto de informações, mas amplia as estruturas cognitivas da criança. Assim, por exemplo, com o domínio da escrita, o aluno adquire também capacidades de reflexão e controle do próprio funcionamento psicológico.
Biografia
Lev Semenovitch Vygotsky nasceu em 1896 em Orsha, pequena cidade perto de Minsk, a capital da Bielo-Rússia, região então dominada pela Rússia (e que só se tornou independente em 1991, com a desintegração da União Soviética, adotando o nome de Belarus). Seus pais eram de uma família judaica culta e com boas condições econômicas, o que permitiu a Vygotsky uma formação sólida desde criança. Ele teve um tutor particular até entrar no curso secundário e se dedicou desde cedo a muitas leituras. Aos 18 anos, matriculou-se no curso de medicina em Moscou, mas acabou cursando a faculdade de direito. Formado, voltou a Gomel, na Bielo-Rússia, em 1917, ano da revolução bolchevique, que ele apoiou. Lecionou literatura, estética e história da arte e fundou um laboratório de psicologia - área em que rapidamente ganhou destaque, graças a sua cultura enciclopédica, seu pensamento inovador e sua intensa atividade, tendo produzido mais de 200 trabalhos científicos. Em 1925, já sofrendo da tuberculose que o mataria em 1934, publicou A Psicologia da Arte, um estudo sobre Hamlet, de William Shakespeare, cuja origem é sua tese de mestrado.

Tempo de revolução

Em menos de 38 anos de vida, Vygotsky conheceu momentos políticos drasticamente diferentes, que tiveram forte influência em seu trabalho. Nascido sob o regime dos czares russos, Vygotsky acompanhou de perto, como estudante e intelectual, os acontecimentos que levaram à revolução comunista de 1917. O período que se seguiu foi marcado, entre outras coisas, por um clima de efervescência intelectual, com a abertura de espaço para as vanguardas artísticas e o pensamento inovador nas ciências, além de uma preocupação em promover políticas educacionais eficazes e abrangentes. Logo após a revolução, Vygotsky intensificou seus estudos sobre psicologia. Visitou comunidades rurais, onde pesquisou a relação entre nível de escolaridade e conhecimento e a influência das tradições no desenvolvimento cognitivo. Com a ascensão ao poder de Josef Stalin, em 1924, o ambiente cultural ficou cada vez mais limitado. Vygotsky usou a dialética marxista para sua teoria de aprendizado, mas sua análise da importância da esfera social no desenvolvimento intelectual era criticada por não se basear na luta de classes, como se tornara obrigatório na produção científica soviética. Em 1936, dois anos após sua morte, toda a obra de Vygotsky foi censurada pela ditadura de Stalin e assim permaneceu por 20 anos.
Para pensar
Vygotsky atribuiu muita importância ao papel do professor como impulsionador do desenvolvimento psíquico das crianças. A idéia de um maior desenvolvimento conforme um maior aprendizado não quer dizer, porém, que se deve apresentar uma quantidade enciclopédica de conteúdos aos alunos. O importante, para o pensador, é apresentar às crianças formas de pensamento, não sem antes detectar que condições elas têm de absorvê-las. E você? Já pensou em elaborar critérios para avaliar as habilidades que seus alunos já têm e aquelas que eles poderão adquirir? Percebe que certas atividades estimulam as crianças a pensar de um modo novo e que outras não despertam o mesmo entusiasmo?
Quer saber mais?
A Formação Social da Mente, Lev S. Vygotsky, 224 págs., Ed. Martins Fontes, tel. (11) 3241-3677, 39,80 reais
Vygotsky - Aprendizado e Desenvolvimento, Marta Kohl de Oliveira, 112 págs., Ed. Scipione, tel. 0800-161-700, 37,90 reais
Vygotsky - Uma Perspectiva Histórico-Cultural da Educação, Teresa Cristina Rego, 140 págs., Ed. Vozes, tel. (24) 2246-5552, 20 reais
Vygotsky - Uma Síntese, René van der Veer e Jaan Valsiner, 480 págs., Ed. Loyola, tel. (11) 6914-1922, 70,70 reais
Publicado em Especial Grandes Pensadores, Outubro 2008.

A homofobia: como trabalhar o respeito e a diversidade sexual na escola

A homofobia: como trabalhar o respeito e a diversidade sexual na escola

Nildo Lage

Todo problema que envolve sentimentos e valores humanos determina ponderação e cuidados para impedir crimes contra o humano. Desde a criação, o homem contrasta as diferenças, transforma-as em rivalidades e, por acatar os impulsos primitivos, declara guerra contra o “estranho”, admitindo ser conduzido pelo ego, que, na maioria das vezes, não reflete atos e consequências, permitindo ser governado pelo “instinto de horda” — tende a andar com grupos de iguais e hostilizar os diferentes —; e, assim, a formação de tribos é inevitável. A partir dessa reunião, o “bloco de lá” é exótico, e essa diferença se torna obstáculo ao ponto de se converter em competitividade, transformar-se em ódio. O tempo se incumbe de gerar conflitos, e os conflitos, em resistência, desencadeiam-se em guerras.

Foi assim com a ciência, a filosofia, com as “bruxas” da Idade Média... as várias etnias... com os judeus... os negros... Na sociedade brasileira atual, as contendas são sobre os casais iguais. Ao assumir publicamente a orientação sexual, gays, lésbicas, travestis, bissexuais e transexuais colocam em xeque a segurança... A própria vida em nome de um direito que não é respeitado: ser livre.

Nesse contexto hostil, situa-se estrategicamente a escola. E, por ser uma passagem obrigatória, lhe é delegada o encargo de propor discussões críticas sobre orientação sexual e cidadania; amenizar os conflitos para propiciar a convivência humana; inserir valores como o respeito... E, ao esbarrar nas barreiras sociais, religiosas e culturais, a escola se vê em contradição entre o pensar, o agir etnicamente e o ser tolerante.

Sem estruturas para oferecer tais suportes, a escola fracassa, e os tremores desse desabamento são sentidos nas ruas de um Brasil que está no topo dos países mais homofóbicos do planeta, porque no espaço escolar esse ódio é disseminado de forma alarmante, instigado por grupos fundamentalistas que chegam ao extremismo. Mesmo com os esforços do Ministério da Educação, que financia projetos para promover a inclusão, a escola não consegue reprimir o preconceito.

É preciso desmitificar esse histórico de preconceito, principalmente num espaço onde tendências, desejos e opções transitam, se colidem, entram em conflitos. Amenizá-los é mais do que um desafio. Torna-se uma missão “quase impossível” para a escola, pois a Educação brasileira precisa construir a própria identidade para destruir problemas históricos... A homossexualidade fundamentada na sociologia e na antropologia é uma velha conhecida da escola, pois, se voltarmos alguns capítulos da história da humanidade, chegaremos à Grécia Antiga e nos depararemos com sinais do homossexualismo praticado em alta escala, principalmente nas amplas sociedades secretas, onde a sensualidade dos gregos era exibida nas orgias em homenagem à deusa Cotito, por meio de rituais sátiros.

Homossexualidade, então, não é um fato novo para que provoque tanta polêmica a ponto de a família e a escola resistirem a encará-lo. Só que essa falta de ação está levando essa crendice ao extremo da intolerância por ser nutrida por um ódio irracional que rejeita, exclui, agride e mata.

Sobreviver nesse campo minado impele a maioria das vítimas ao isolamento, pois os agressores, de olhos vendados e mentes cauterizadas, não aceitam as diferenças, não permitem o relacionamento, nem vislumbram que a sexualidade vai além da biologia, da cultura, da hereditariedade, não tem mero cunho reprodutivo, mas traz em si toda uma gama de sentimentos, influências hormonais e genéticas, e abrem janelas que refletem o universo do relacionamento em múltiplas dimensões, onde, muitas vezes, aspectos imperceptíveis aos olhos da sociedade, como o cultural, não são enfatizados.

Um ponto de partida...

A consciência para compreender que a vida é uma trajetória de perdas e ganhos e, principalmente, de escolhas. Felicidade ou infelicidade dependerão do caminho que se trilha no percurso viver. Amar e respeitar o próximo são regras do Criador. Cumprir ou não é uma alternativa, e é essa decisão que definirá a nossa convivência nesse percurso.

Sabemos que o preconceito jamais será abolido entre os homens, mesmo com aprovação de leis rigorosas, punições severas... Mas é preciso, no mínimo, tolerância, para que as subversões entre as classes, raças e etnias se amenizem, para que a homofobia não se transforme numa arma com poderes capazes de destruir pessoas apenas pela opção sexual, pois a homossexualidade segue a humanidade desde a sua criação, tentar erradicá-la é heresia.

Contudo, deve-se amenizá-la através de uma convivência complacente. É preciso fixar, em mentes preconceituosas, a verdadeira semente do respeitar o “eu” do outro. Respeito é algo que se constrói e se desenvolve entre os homens para que se torne a âncora dos relacionamentos interpessoais. Para tal, basta que cada um viva a própria vida e alargue o caminho para que o próximo possa transitar pelas veredas da sociedade como cidadão, desfrutando do mesmo direito: viver e ser feliz com as suas diferenças e os seus desejos.

Afinal, consciência é uma espécie rara que exige um ambiente propício, terreno preparado, e, por isso, deve ser plantada, cultivada no íntimo como símbolo de humanidade e, por ser regada pelos próprios sentimentos, exige atitudes que alterem comportamentos. Essas atitudes podem ser pequenas coisas, mas, para a minoria rejeitada, é a grande diferença. Pois essa “diferença” é o direito de ser feliz... A felicidade tem um preço. Muitas vezes, esse valor foge do orçamento de muitos que preferem desviar da rota a tornarem-se alvos e serem deflagrados ao se colidirem contra princípios morais, sociais e, principalmente, religiosos.

Homossexual é alvo sempre na mira da poderosa arma homofobia. Ao assumir a opção, paga-se um preço que é tabelado pela família e corrigido pela cultura, e, quando chega ao mercado negro da sociedade, converte-se em temor. E há aqueles que apenas fazem manifestos, mas manifestos não sensibilizam uma sociedade cujo problema está enraizado em íntimos e em mentes que interrompem sonhos, podam direitos, destroem objetivos... A vida.

Essas ameaças impedem muitos de se assumirem... Pois a chave mestra — o medo — refreia e edifica barreiras que se elevam sutilmente, de forma tão ardilosa que só é percebida pela vítima, cada vez que é fulminada com olhares de aversão e repelida por gestos impregnados de animosidade, por não reconhecerem que travesti, lésbica, transexual, gay, hétero, bissexual... são humanos. São cidadãos... O que muda na trajetória viver é a alternativa de vida e a opção sexual.

Os múltiplos olhares

Seria utopia afirmarmos que discriminação e homofobia são fatos triviais, pois a ferida que se abre não cicatriza devido aos frequentes golpes e à infestação do vírus histórico que separam raças e apartam grupos minoritários em plena sociedade contemporânea.

Entender as razões desse ódio é tão complexo quanto chegar aos fatores que originaram o homossexualismo, pois esse universo que determina a opção sexual é gerido pelos hormônios, na maioria das vezes, retratado por controvérsias em que uns acreditam que o homossexualismo é fruto de uma herança genética que decide, por meio do grau de consanguinidade, a personalidade, a aparência física e preferência sexual; ao passo que outros creem na teoria de que o homem é realmente produto do meio, do ambiente no qual o indivíduo recebe influências e valores, que altera comportamentos e pode inverter condutas como fruto de uma educação que delineia a trajetória do humano.

Esses questionamentos, de tão conflitantes, desnorteiam, motivam buscas que nos arremessam ao fantástico universo da neurobiologia, para compreendermos a guerra entre progesterona x testosterona e encontrarmos respostas dos porquês de hormônios iguais despertarem atrações fatais, sentimentos avassaladores ao ponto de romper estigmas sociais, familiares e religiosos em nome de um alvo denominado felicidade por meio do complemento do outro.

A homossexualidade é debatida, questionada, e a urgência de encontrar uma saída se tornou um tema que incomoda, principalmente uma sociedade de tantos contrastes, como a brasileira. É preciso ajustar a lente e direcionar o olhar para atingir óticas indispensáveis à compreensão, uma delas é a antropológica — que não admite generalizações e procura na diversidade cultural as suas respostas para convencer que a homossexualidade pode ser superada através de uma convivência tolerante —, pois, desde a criação, o homem recebe normas características de comportamento masculino e feminino. Daí o pressuposto de que cada sociedade — inclusive a animal — salienta a homossexualidade, acentuando que o comportamento é uma herança do meio, normatizado nos relacionamentos que determinam culturas, prefixam condutas, a exemplo dos imperadores romanos — a cada dez, oito praticavam atos de homossexualismo com jovens.

Esses hábitos não sofreram mutações, pois relatos de estudiosos nos mostram que, na sociedade moderna, não é diferente, já que, a cada ano, a humanidade é mais livre para fazer escolhas, tanto que, na sociedade brasileira, essas manifestações partiam de todos os níveis, e as tradições vêm desde o império — como os fatos relatados no livro História do Império, de Tobias Monteiro, que apresenta uma lista vip, onde artistas, cantores, arquitetos, intelectuais, líderes religiosos, marginais, políticos e até heróis nacionais eram praticantes de atos homossexuais.

O que muda na era do “Clico, já existo” é o perfil social, pois são os contextos socioculturais que determinam “paz ou guerra”. Em algumas culturas, em que isso é “comum”, a tolerância refreia o preconceito; em outras, o homossexual é tratado como objeto desprezível, a ponto de a discriminação chegar ao extremo, impelindo os seus seguidores a cometerem atrocidades.

A antropologia crê que a gênese do homossexualismo é fruto de fatores socioculturais. Como a própria natureza humana determina a satisfação física, a antropologia afirma que o indivíduo sexualmente satisfeito é um indivíduo feliz, e o isolamento faz com que a abstinência desperte sentimentos adversos, principalmente se o relacionamento prolongado for em ambientes habitados por indivíduos do mesmo sexo, como conventos, quartéis, presídios, colégios internos, e até mesmo em famílias — especialmente de baixa renda — em que a ausência do pai leva a mãe a assumir uma autoridade masculina para educar.

Esses olhares causam subversões e bloqueiam mudanças; e, toda vez que são postos à mesa para serem debatidos, originam controvérsias, contendas acirradas. Todavia, quando a quebra de braço incide entre histórico e científico, a força não se equilibra, pois o acordo não acontece devido à inversão de óticas entre genético e psicológico. E, como o científico não apresenta provas convincentes de que a homossexualidade é consequência genética, o histórico salienta ao comprovar com fatos que desde a Antiguidade Clássica era comum — para não se dizer acolhida — a prática homossexual — tanto que, nas olimpíadas gregas, as disputas ocorriam com homens nus (para que ostentassem seus dotes físicos).

Essas afirmações da história se estendem e se enveredam pela mitologia, ratificando que até os deuses Oros e Seti e filósofos como Sócrates e Platão praticavam a homossexualidade, popularizando esse ato entre gregos, romanos e egípcios... E, se ambicionarmos mais, a história permaneceria na Grécia Antiga por mais alguns séculos para nos revelar que até os aios do exército se submetiam aos preceptores como prova de heroísmo e nobreza, por acreditarem que brio e valentia eram transmitidos pelo sêmen, como revelou Platão (428 a.C.–348 a.C.), em O Banquete:

Se houvesse maneira de conseguir que um estado ou um exército fosse constituído apenas por amantes e seus amados, estes seriam os melhores governantes da sua cidade, abstendo-se de toda e qualquer desonra. Pois que amante não preferiria ser visto por toda a humanidade a ser visto pelo amado no momento em que abandonasse o seu posto ou pousasse as suas armas. Ou quem abandonaria ou trairia o seu amado no momento de perigo?

De tão convicta da sua verdade, a história não desaponta quando revela que, em 1973, a Associação de Psiquiatria Americana (APA) certifica que homossexualidade não é doença e a exclui da lista de distúrbios mentais, escrevendo mais um capítulo em 1985, quando o Código Internacional de Doenças (CID) a riscou do seu catálogo, inserindo a homossexualidade no campo das necessidades sexuais humanas.

Esse fato é reforçado quando Foucault, 2000, assevera que a homossexualidade se afasta “da prática da sodomia para uma espécie de androgenia interior, um hermafroditismo da alma”. Nesse roteiro fantástico, tudo o que a história não consegue revelar é o porquê de tamanha intolerância.

Mas o homossexualismo é como a história da humanidade: sempre tem um fato camuflado nas entrelinhas que incita pesquisas e estudos minuciosos, e, por não ter réplicas palpáveis, a biogenética é pertinaz em contradizer a história, ao assegurar que a homossexualidade é uma consequência genética, e garante: algo de errado aconteceu com o indivíduo no seu ciclo de formação, pois essa marca — a genética — é a identidade e, por ter uma associação de fatores que formam o humano, a ineficiência, a ausência ou até mesmo insuficiência de determinados genes podem provocar o nascimento do gene Xq28 — o gene gay —, que ocasiona um distúrbio que leva ao homossexualismo.

Entre questionamentos e suposições, réplicas começam a vir à tona, pois estudos modernos comprovam que psicologia e medicina já conseguem se sentar para uma conversa e, em alguns pontos, já encaram o enigma sem conflitos. E, ao ajustarem as lentes, depararam-se com um horizonte que acreditam poder amenizar a quebra de braço “genética x psicologia” graças à descoberta de que a homossexualidade é uma instabilidade de conduta sexual.

Só que essas teses tornaram-se pontos de partida de novas discussões por serem uma realidade que desmente mitos e descarta as influências sociais, ambientais, familiares, educacionais e até mesmo traumas de infância como fatores responsáveis pela homossexualidade.

E, como sempre acontece, na guerra entre ciência e senso comum, a ciência leva a melhor, pois o pesquisador Jacques Balthazart, da Universidade de Liège, na Bélgica, em sua pesquisa Biologia da Homossexualidade: Gay Nasce, Não Escolhe Ser, chegou — segundo a ciência — na mais sólida conclusão de que “A homossexualidade não é uma opção de vida, mas o resultado do determinismo biológico resultante de influências pré-natais”.

Só que a senhora “sociológica” desmente: a homossexualidade é nada além do que um desvio, uma indisposição mental, que, se tratada, pode ser revertida. Por ser uma instabilidade que provoca o desvio sexual e por entender que o homem é produto do meio determina a heterossexualidade como regra, chegando a salientar que a sexualidade é resultado de uma trajetória sociofamiliar, pois são esses relacionamentos que determinam opções e escolhas, rematando que heterossexualidade ou homossexualidade são as consequências do meio em que o indivíduo desenvolve o seu universo de convivências. Os relacionamentos são cruciais e responsáveis pelas mutações nas chamadas zonas híbridas, na fase de formação da personalidade.

Mas, como o humano nunca se contenta, é preciso ousar, dar um passo adiante, para se chegar ao consultório do senhor sabe-tudo, o doutor “científico”, que tem sempre em mãos respostas cientificamente comprovadas para todos os questionamentos, mas esse mestre é oscilante e não assina a confirmação de que a homossexualidade é culpa da genética, mesmo comprovando mutações que acontecem desde a criação do homem.

Entre anfibologias e improbabilidades, a origem do homossexualismo continua um enigma, mas é uma realidade que fere, exclui... Discrimina... E, se é psicológico ou biológico, doença ou opção, é preciso que a humanidade crie e aplique, em mentes preconceituosas, a fórmula que ameniza os conflitos por meio da tolerância, porque jamais encontraremos respostas que destruam as barreiras sociais e religiosas, pois, da mesma forma que os freudianos acreditam na etiologia psicológica, o pesquisador americano Simon LeVay, do Instituto Salk de Pesquisas Biológicas da Califórnia, defende piamente a etiologia orgânica — hipotálamo — como centro integrador fundamental.

Mas perguntas exigem respostas...

E o desafio para encontrar respostas sobre o homossexualismo é tamanho que nem mesmo a ciência, que se atirou pelos labirintos da mente humana à caça de respostas do desvio de comportamento, chegou à precisão. O Dr. LeVay mergulhou com tanta profundidade que solicitou à neurociência um norte e chegou a um ponto do cérebro humano cujos neurônios formam a estrutura do hipotálamo. Ele estudou 41 cadáveres — 19 eram masculinos que tinham a homossexualidade assumida, 16 eram masculinos heterossexuais e 6 femininos — e se surpreendeu com a incrível descoberta de que os neurônios na região do cérebro onde se localiza o hipotálamo — que comunica extensamente com grande número de regiões do Sistema Nervoso Central — eram maiores nos heterossexuais e menores nos homossexuais.

Ante a descoberta, LeVay supôs que, “se a diferença de tamanho dos neurônios pudesse ser provada em 100% das vezes, isso seria evidência de que a homossexualidade tem base biológica”.

Nesse ponto de convergência, heterossexualidade ou homossexualidade podem ser opção, consequência ou genética. Antropologia, sociologia e ciências biológicas finalmente conseguem criar uma base e falar o mesmo dialeto por encararem o homossexualismo com a mesma ótica ao afirmarem que “hétero ou homo” não dependem do querer do indivíduo, mas de influências, e que a homofobia é um crime brutal contra alguém que não teve autonomia para decidir o “querer ser”.

Em meio às descobertas... O desafio da Educação

É sobre essa plataforma que a Educação deve trabalhar o respeito e a diversidade na escola, para que as diferenças não se transformem em barreiras e a homofobia seja moderada por meio de projetos que trabalhem o preconceito e promova subsídios que amparem as vítimas da hostilidade, pois, mesmo com os avanços, o empenho do sistema de ensino para proporcionar condições de “como trabalhar o respeito e a diversidade na escola”, o multiculturalismo ainda não é explorado o suficiente para proporcionar uma aproximação. Dessa forma, diversidade, alteridade, justiça e heterogeneidade são termos apenas discutidos, questionados e, mesmo que todos (educadores, políticos e o próprio Estado) afirmem que esses são caminhos a serem trilhados, as políticas públicas não propiciam ações para que reinem a cidadania e o respeito.

Se não houver um resgate de emergência, a escola continuará sendo cenário de um enredo onde o vilão “desrespeito ao outro” manterá sob seus pés as minorias etnorraciais, de gênero e, até mesmo, portadores de necessidades especiais. Discutir, reinventar a história e reapresentar projetos são falácias que não mudam a realidade das vítimas, pois, tanto nos currículos escolares como na sociedade, não existe espaço para a diversidade, e, se esta não for trabalhada no ambiente escolar, preconceito e sexismo — conjunto de ações e ideias que privilegiam indivíduos de determinado gênero (ou, por extensão, que privilegiam determinada extensão sexual) — serão temas discutidos desde o setor pedagógico, passando pela direção, ao Instituto Médico Legal, que faz autópsias de vítimas de um crime brutal sem entender as suas razões.

Essa realidade é resultado de um contexto histórico: pais simplesmente não comentam, professores sentem-se receosos em abordar a questão, gestores passam a bola adiante, o sistema não consegue discutir com os envolvidos e, assim, diversidade sexual e de gênero vão ganhando membros, troncos, até se converter no bicho de sete cabeças que atemoriza a comunidade escolar.

Entre controvérsias e mitos, gestores, educadores e especialistas tentam dissimular, mas a homofobia na escola, de tão sutil, é confundida com brincadeiras e, no último extremo — quando as vítimas são agredidas — com bullying. Dessa forma, permitem que direitos sexuais, assim como a diversidade, sejam reprimidos, pois o reconhecimento da diversidade cultural e da pluralidade da exp