Quem sou eu

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Santa Cruz do Capibaribe/ Caruaru, NE/PE, Brazil
Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

SEGUIDORES

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

ALEXIANA - CALENDÁRIO - (Cantora SCC)

Rogéria Santtos (Caruaru - PE)

cara de pau

ÁGUAS DE SEMPRE

Calvin e Haroldo -


Calvin e Haroldo
Bill Waterson

Saiba mais sobre a poeta Bruna Beber assistindo ao vídeo abaixo


Poema de Bruna Beber.


festa
bruna beber

e então me vejo resumida a um jogo
de peças de dominó enfileiradas
no centro da sala

ao primeiro toque posso desmoronar,
e desmorono, velozmente, 28 retângulos
de madeira caem lânguidos

plequeplequeplequeplequepleplequepleque
uns por cima dos outros e todos ao chão
amontoados como corpos

e ao toque de cada peça sobre cada peça
um foguete pirotécnico colorido sobe
ao céu, e tudo que é meu sobe junto

um espetáculo de vinte e oito foguetes
pirotécnicos coloridos dentro dos olhos
das pessoas que olham o céu neste momento

eu não olho, tenho algo mais importante
para ver, mas estou cego de repente,
a luz se esfarela, onde estou?

consigo medir o estrondo do acontecimento
pelo silêncio do instante que precedeu
a queda das peças

é deste tamanho o acontecimento!
a mágica de um segundo valeu
o tempo do enfileiramento

é possível medir o choque do acontecimento
pelo pouco volume em minha voz
o resto não meço.

A MÚSICA DO BARULHO - Conceição Gomes


A MÚSICA DO BARULHO

As onomatopéias seriam reduzidas.

De um lado o uniforme

Do outro o disforme.

E quem vai pagar pelo barulho dessa vez?

De um lado o peso

Do outro a balança

Tantas notas pelo chão

E a música em ambos os lados

Preenche com a velocidade do som

O pentagrama.

Os ouvidos surdos

Com os decibéis da ignorância

E quem vai dançar dessa vez?

De um lado o “certo-errado”

Do outro o “errado-certo”

E a dança louca

Envolvendo a todos

Mexem seus corpos

Em meio aos corpos imóveis

E quem vai pagar dessa vez?

Até a música baixar o volume

A imobilidade dança entre todos

De um lado

E do outro.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

BBB 11 - Esse é o exemplo

BIG BROTHER BRASIL
(Luiz Fernando Veríssimo)

Que me perdoem os ávidos telespectadores do Big Brother Brasil (BBB), produzido e organizado pela nossa distinta Rede Globo, mas conseguimos chegar ao fundo do poço...A décima primeira (está indo longe!) edição do BBB é uma síntese do que há de pior na TV brasileira. Chega a ser difícil,... encontrar as palavras adequadas para qualificar tamanho atentado à nossa modesta inteligência.

Dizem que em Roma, um dos maiores impérios que o mundo conheceu, teve seu fim marcado pela depravação dos valores morais do seu povo, principalmente pela banalização do sexo. O BBB é a pura e suprema banalização do sexo. Impossível assistir, ver este programa ao lado dos filhos. Gays, lésbicas, heteros... todos, na mesma casa, a casa dos “heróis”, como são chamados por Pedro Bial. Não tenho nada contra gays, acho que cada um faz da vida o que quer, mas sou contra safadeza ao vivo na TV, seja entre homossexuais ou heterosexuais. O BBB é a realidade em busca do IBOPE...
Veja como Pedro Bial tratou os participantes do BBB. Ele prometeu um “zoológico humano divertido” . Não sei se será divertido, mas parece bem variado na sua mistura de clichês e figuras típicas.
Pergunto-me, por exemplo, como um jornalista, documentarista e escritor como Pedro Bial que, faça-se justiça, cobriu a Queda do Muro de Berlim, se submete a ser apresentador de um programa desse nível. Em um e-mail que recebi há pouco tempo, Bial escreve maravilhosamente bem sobre a perda do humorista Bussunda referindo-se à pena de se morrer tão cedo.

Eu gostaria de perguntar, se ele não pensa que esse programa é a morte da cultura, de valores e princípios, da moral, da ética e da dignidade.

Outro dia, durante o intervalo de uma programação da Globo, um outro repórter acéfalo do BBB disse que, para ganhar o prêmio de um milhão e meio de reais, um Big Brother tem um caminho árduo pela frente, chamando-os de heróis. Caminho árduo? Heróis?

São esses nossos exemplos de heróis?

Caminho árduo para mim é aquele percorrido por milhões de brasileiros: profissionais da saúde, professores da rede pública (aliás, todos os professores), carteiros, lixeiros e tantos outros trabalhadores incansáveis que, diariamente, passam horas exercendo suas funções com dedicação, competência e amor, quase sempre mal remunerados..

Heróis, são milhares de brasileiros que sequer têm um prato de comida por dia e um colchão decente para dormir e conseguem sobreviver a isso, todo santo dia.

Heróis, são crianças e adultos que lutam contra doenças complicadíssimas porque não tiveram chance de ter uma vida mais saudável e digna.

Heróis, são aqueles que, apesar de ganharem um salário mínimo, pagam suas contas, restando apenas dezesseis reais para alimentação, como mostrado em outra reportagem apresentada, meses atrás pela própria Rede Globo.

O Big Brother Brasil não é um programa cultural, nem educativo, não acrescenta informações e conhecimentos intelectuais aos telespectadores, nem aos participantes, e não há qualquer outro estímulo como, por exemplo, o incentivo ao esporte, à música, à criatividade ou ao ensino de conceitos como valor, ética, trabalho e moral.

E ai vem algum psicólogo de vanguarda e me diz que o BBB ajuda a "entender o comportamento humano". Ah, tenha dó!!!

Veja o que está por de tra$$$$$$$$$$$$$$$$ do BBB: José Neumani da Rádio Jovem Pan, fez um cálculo de que se vinte e nove milhões de pessoas ligarem a cada paredão, com o custo da ligação a trinta centavos, a Rede Globo e a Telefônica arrecadam oito milhões e setecentos mil reais. Eu vou repetir: oito milhões e setecentos mil reais a cada paredão.

Já imaginaram quanto poderia ser feito com essa quantia se fosse dedicada a programas de inclusão social: moradia, alimentação, ensino e saúde de muitos brasileiros?

(Poderiam ser feitas mais de 520 casas populares; ou comprar mais de 5.000 computadores!)

Essas palavras não são de revolta ou protesto, mas de vergonha e indignação, por ver tamanha aberração ter milhões de telespectadores.

Em vez de assistir ao BBB, que tal ler um livro, um poema de Mário Quintana ou de Neruda ou qualquer outra coisa..., ir ao cinema..., estudar... , ouvir boa música..., cuidar das flores e jardins... , telefonar para um amigo... , visitar os avós... , pescar..., brincar com as crianças... , namorar... ou simplesmente dormir.


Assistir ao BBB é ajudar a Globo a ganhar rios de dinheiro e destruir o que ainda resta dos valores sobre os quais foi construída nossa sociedade.


Texto recebido em meu e-mail.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Inclusão Digital - Vale a pena conferir

A LEI NÃO É PARA TODOS

Cantoras

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE


Os Ombros Suportam o Mundo

Carlos Drummond de Andrade


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teu ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo,
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.


Os versos acima foram publicados originalmente no livro "Sentimento do Mundo", Irmãos Pongetti - Rio de Janeiro, 1940. Foram extraídos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Poema "O PAÍS DO FUTURO" (Conceição Gomes)

O PAÍS DO FUTURO
(Conceição Gomes)


O país do futuro está atrasado...
Tem uma educação mal educada,
Uma saúde doente
E uma segurança que é antes de tudo ameaça e ameaçada.

O País do futuro,
Dos jovens com o poder nas mãos
É caduco,
Velho ranzinza a remoer velhos problemas.

O país do futuro
Pensa pequeno, a curto prazo.
Sua alegria parece disfarçada
De uma tristeza sem rumo,
Sua beleza parece vulgar.

Os marginais se tornam maiorais
Pisam, fazem vista grossa
Para os marginalizados.
Pequenos que são gigantes
Pequenos que são muitos e desprezados.

Um país com leis
Que servem aos desleais
E o futuro sempre do país do futuro
Fica a Deus dará.

(Obs.: qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência)

"A MENINA QUE NÃO SABIA LER" - John Harding - Vale a pena conferir!


Um livro cheio de suspense no ar

Em uma distante e escura mansão, onde nada é o que parece, a pequena Florence é negligenciada pelo seu tutor e tio. Guardada como um brinquedo, a menina passa seus dias perambulando pelos corredores e inventando histórias que conta a si mesma, em uma rotina tediosa e desinteressante. Até que um dia Florence encontra a biblioteca proibida da mansão. E passa a devorar os livros em segredo.Mas existem mistérios naquela casa que jamais deveriam ser revelados. Quem eram seus pais? Por que Florence sonha sempre com uma misteriosa mulher ameaçando Giles, seu irmão caçula? O que esconde a srta. Taylor? E por que o tio a proibiu de ler? Florence precisa reunir todas as pistas possíveis e encontrar respostas que ajudem a defender o irmão e preservar sua paixão secreta pelos livros – únicos companheiros e confidentes – antes
que alguém descubra quem ousou abrir as portas do mundo literário. Ou será que tudo isso não seria somente delírios deuma jovem com muita imaginação?

Milton fala do seu mais novo cd ... E A GENTE SONHANDO (Confira a entrevista clicando no link abaixo)


http://www.youtube.com/watch?v=EHbWrjfpBlw

MARIA BETHÂNIA


A cantora Maria Bethânia fará um show em João Pessoa na Praia do Cabo Branco, dia 22 de Janeiro.
O show faz parte da programação do Projeto Estação Nordeste 2011.
Será em praça pública.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

FRASE DO DIA

"A VIDA IMITA A ARTE" - OSCAR WILDE

FERREIRA GULLAR E A SUA POESIA DO ESPANTO


São os espantos da vida que forjam o interior da poesia
Sex, 03 de Dezembro de 2010 15:08 Rogério Pereira




Ferreira Gullar chega aos 80 anos de vida (completados em 10 de setembro) com uma vitalidade impressionante. E com o olhar ainda mais aguçado para os espantos que a vida lhe causa. É a partir destes espantos — a junção entre o inusitado e o sublime do cotidiano — que nascem os seus versos. Isso há 61 anos, desde o surgimento de Um pouco acima do chão, sua estreia poética em 1949. Agora, lança o inquietante Em alguma parte alguma, um livro repleto de perplexidades também encontradas nos poemas de Muitas vozes, de 1999. Gullar retoma (ou continua) temas que lhe são muito caros: a pequenez do cotidiano em contraposição à imensidão do universo e a passagem do tempo, refletida principalmente na morte, contra quem luta munido fortemente de belos versos. “Sei que um dia não estarei mais em nenhuma parte, senão no que escrevi. A obra é o outro corpo que criamos para permanecermos presentes quando este, de carne e ossos, desaparecer”, diz Gullar nesta entrevista concedida por email ao Pernambuco.

Ferreira Gullar é, acima de tudo, um poeta realizado. Em 2010, recebeu o prêmio Camões — considerado a mais alta distinção concedida a um autor de língua portuguesa — e é celebrado pela crítica como o maior poeta brasileiro em atividade. “Como o sentido do que escrevemos é chegar ao leitor, ao outro, ganhar um prêmio como esse (o Camões) é a comprovação de que chegamos lá”, afirma. Disso, ninguém duvida.

Em alguma parte alguma foi escrito entre 1999 e 2010. Portanto, foram onze anos trabalhando neste livro. Como se deu toda a feitura do livro? E como nascem/surgem os seus poemas?
Como costumo dizer, meus poemas nascem do espanto, ou seja, de algum fato ou descoberta que me surpreende e me mostra um lado da existência inusitado.

O senhor afirma que a poesia “lida com o acaso e a necessidade”. Qual é a necessidade que o move em direção à construção da poesia?
Não adoto método algum para escrever os poemas, antes me deixo arrastar pela descoberta que me surpreendeu e me pôs em estado capaz de escrever o poema. Não é que tenha exigência no fazer. Pelo contrário, busco dizer o que for de modo sucinto e inesperado, para que assim também surpreenda o leitor e o faça viajar comigo nesse mundo poético. O primeiro a ser surpreendido pelo poema sou eu mesmo, o primeiro leitor.

É possível criar um método para se escrever poesia? Ou é a poesia que comanda o poeta, que diz quando está pronta para vir à luz?
Como disse, não tenho método para escrever, já que o poema deve ser uma invenção inesperada. Certamente, tenho um jeito próprio de escrever, como todo poeta o tem. Não se trata de método e, sim, de modo de lidar com as palavras, já que todo poeta inventa sua própria linguagem.

Muitos escritores (principalmente prosadores) consideram a poesia um gênero literário superior aos demais. O senhor concorda?
Não se trata disso. A poesia é, na verdade, um modo especial de relacionar-se com a realidade, de inventá-la. Talvez o que a distinga dos demais gêneros seja a sua excepcionalidade e a busca do essencial.

Seus dois livros mais recentes — Muitas vozes e Em alguma parte alguma — trazem belíssimos poemas sobre a morte e a passagem do tempo. O senhor teme a morte? De que maneira o senhor a encara?
Não, não temo a morte, embora não a deseje. Sei que um dia não estarei mais em nenhuma parte, senão no que escrevi. A obra é o outro corpo que criamos para permanecermos presentes.

O senhor é reconhecido pela crítica e reverenciado pelos leitores, musicado por cantores populares, ganhou o Prêmio Camões e virou até nome de avenida, no Maranhão. A que atribui tais fenômenos? Qual a sua opinião ao ser considerado hoje o maior poeta brasileiro em atividade?
Esse reconhecimento me surpreende e me lisonjeia. Creio que se deve em parte ao que escrevo e, em parte, às circunstâncias eventuais; uma delas, ter vivido muito e me manter ligado aos problemas que afetam a todos.

Quais poetas contemporâneos o senhor lê com atenção? E qual a sua opinião sobre a produção poética brasileira?
Hoje, mais releio que leio. Mas também não releio todo dia. Passo tempo só pensando e escrevendo ou lendo sobre a atualidade política e social. Sempre li a história dos povos e do meu país. Outra leitura minha, frequente, é a das questões ideológicas .

O que significou o Prêmio Camões na sua vida de escritor?
Ganhar o Prêmio Camões foi uma coisa tão inesperada quanto gratificante. Como o sentido do que escrevemos é chegar ao leitor, ao outro, ganhar um prêmio como esse é a comprovação de que chegamos lá.

O senhor acompanha muito atentamente o mundo que o cerca. E sobre ele emite opiniões em sua crônica semanal na Folha de S. Paulo. Qual a sua opinião sobre dois temas extremamente recorrentes na sociedade: a legalização do aborto e a descriminalização das drogas?
Sou a favor da legalização do aborto, porque constato que a não legalização não impede que as mulheres, em determinadas situações, sejam levadas a praticá-lo. Nenhuma mulher aborta por prazer. Quanto às drogas, não acredito que legalizá-las seja a solução. A venda de cigarros, de remédios, de pedras preciosas não é proibida, mas existe tráfico dessas mercadorias, não existe? A descriminalização não vai acabar com o tráfico, porque ele, de fato, é mantido por quem consome drogas, já que não existe comércio, legal ou não, sem consumidor. O caminho correto, a meu ver, seria uma campanha, em âmbito nacional e internacional, de educação dos jovens.

Quais absurdos do mundo contemporâneo mais o incomodam?
Uma das coisas mais absurdas da época atual é o terrorismo. Só muito fanatismo, só muito ódio e burrice, levados ao extremo, podem explicar tamanho desatino.

Há no Em alguma parte alguma a presença de temas bastante recorrentes em Muitas vozes, especialmente a consciência da morte e a perplexidade proveniente da simultaneidade entre a vida comum e o turbilhão das galáxias. É possível ver em tais obras uma extensão, como se um livro continuasse o outro?
Sim, essa perplexidade está em mim e se mantém através dos anos. Em dado momento, por alguma razão, volta e me faz escrever sobre ela. Nisso, um livro continua o outro.

Num dos prefácios de Em alguma parte alguma, Alfredo Bosi fala da convivência amorosa e tensa de materialismo e metafísica em sua poesia. Poemas como “Off price” (“Que a sorte me livre do mercado”) e “Um pouco antes” (“Não te custará nada imaginar/ que estou sorrindo ainda naquela nesga/ azul-celeste/ pouco antes de dissipar-me para sempre”) sinalizam que o seu materialismo está em fase de sublimação ou transcendência?
Meus poemas não são expressão de uma teoria que esteja elaborando, como um filósofo. Poeta e filósofo relacionam-se diversamente com o conhecimento: um busca explicar o mundo coerentemente; o outro se espanta e constrói o poema sem se perguntar se está se contradizendo ou não. Os versos citados expressam momentos diversos da vida: um é estar livre dos condicionamentos que sufocariam a poesia; o outro, a consciência de que desaparecerei para sempre, restando, quem sabe, a lembrança de alguém, por algum tempo. Buscar a transcendência é necessidade de todos nós, o que não implica a crença em Deus.

Em Muitas vozes há um poema intitulado “Inventário”, que diz: “o Gullar que bastasse/ não nasceu”. Em alguma parte alguma traz “O duplo”, o qual indica haver “um outro/ que é mais Gullar do que eu”. Em alguma medida, tais poemas, reunidos, evocam o “Traduzirse”, e, sobre este, eu pergunto se você o inventou ou foi por ele inventado? Quem é este Gullar que, em pouco tempo, passa de inexistente a mais Gullar do que você próprio?
Não sei nem quero explicar essas coisas. Não busco coerência, não faço teoria, são espantos, constatações inesperadas.

Que conselho o senhor daria a alguém disposto a se dedicar ao ofício de poeta?
Poesia não é profissão, é destino. Que vá em frente.

*Colaborou Marcos Pasche.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A falsa liberdade e a síndrome do “ter de”:


A falsa liberdade e a síndrome do “ter de”: essa é uma manifestação típica do nosso tempo, contagiosa e difícil de curar porque se alimenta da nossa fragilidade, do quanto somos impressionáveis, e da força do espírito de rebanho que nos condiciona a seguir os outros. Eu tenho de fazer o que se espera de mim. Tenho de ambicionar esses bens, esse status, esse modo de viver – ou serei diferente, e estarei de fora.
Temos muito mais opções agora de que alguns anos atrás, as possibilidades que se abrem são incríveis, mas escolher é difícil: temos de realizar tantas coisas, são tantos os compromissos, que nos falta o tempo para uma análise tranquila , uma decisão sensata, um prazer saboreado.
A gente tem de ser, como escrevi tantas vezes, belo, jovem, desejado, bom de cama (e de computador). Ou a gente tem de ser o pior, o mais relaxado, ou o mais drogado, o chefe da gangue, a mais sedutora, a mais produzida. Outra possibilidade é ter de ser o melhor pai, o melhor chefe, a melhor mãe, a melhor aluna; seja o que for, temos de estar entre os melhores, fingindo não ter falhas nem limitações. Ninguém pode se contentar em ser como pode: temos de ser muito mais que isso, temos de fazer o impossível, o desnecessário, até o absurdo, o que não nos agrada – ou estamos de fora.
A gente tem de rir dos outros, rebaixar ou denegrir nem que seja mais simples parceiro de trabalho ou o colega da escola com alguma deficiência ou dificuldade maior. A gente tem de aproveitar o mais que puder, e isso muitos pais incutem na cabeça dos filhos: case tarde, aproveite antes! (O que significa isso?) A gente tem de beber em preparação para a balada, beijar o maior número possível de bocas a cada noite, a gente tem de.
A propaganda nos atordoa: temos de ser grandes bebedores (daquela marca de bebida, naturalmente), comprar o carro mais incrível, obter empréstimos com menos juros, fazer a viagem maravilhosa, ter a pele perfeita, mostrar os músculos mais fortes, usar o mais moderno celular, ir ao resost mais sofisticado.
Até no luto temos de assumir novas posturas: sofrer vai ficando fora de moda.
Contrariando a mais elementar psicologia, mal perdemos uma pessoa amada, todos nos instigam a passar por cima. “Não chore, reaja”, é o que mais ouvimos. “Limpe a mesa dele, tire tudo do armário dela, troque móveis, roupas de cama, mude de casa.” Tristeza e recolhimento ofendem nossa paisagem de papelão colorido. Saímos do velório e esperam que se vá depressa pegar a maquilagem, correr para a academia, tomar o antidepressivo, depressa, depressa, pois os outros não agüentam mais, quem quer saber da minha dor?
O “ter de” nos fazer correr por aí com algemas nos tornozelos, mas talvez a gente só quisesse ser um pouco mais tranquilo, mas enraizado, mais amado, com algum tempo para curtir as coisas pequenas e refletir. Porém temos de estar sempre à frente, ainda que na fila do SUS.
Se pensar bem, verei que não preciso ser magro em atlético nem um modelo de funcionário, não preciso ter muito dinheiro ou conhecer Paris, não preciso nem mesmo ser importante ou bem-sucedido. Precisaria, sim, ser um sujeito decente,encontrar alguma harmonia comigo mesmo, com os outros, e com a natureza na qual fervilha a vida e a morte apaziguadora.
Em lugar disso, porém, abraçamos a frustração, e com ela a culpa.
A culpa, disse o personagem de um filme “é como uma mochila cheia de tijolos. Você carrega de um lado para o outro, até o fim da vida. Só tem um jeito: jogá-la fora”. Mas ela tem raízes fundas em religiões e crenças, em ditames da família, numa educação pelo excessivo controle e na deseducação pela indiferença, na competitividade no trabalho e na pressão de nosso grupo, que cobra demais.
Dizem que devemos nos informar melhor, mas quanto mais informação, mais dúvidas; quanto mais abertura, mais opções; quanto mais olhamos, mais se expande a tela onde se projetam nossos desejos.
Nessa rede de complexidades, seria bom resistir à máquina da propaganda e buscar a simplicidade, não sucumbir ao impulso da manada que corre cegamente em frente. Com sorte, vamos até enganar o tempo sendo sempre jovens, sendo quem sabe imortais com nariz diminuto, boca ginecológica e olhar fatigado num rosto inexpressivo. Não nos faltam recursos: a medicina, a farmácia, a academia, a ilusão, nos estendem ofertas que incluem músculos artificiais, novos peitos, pele de porcelana, e grandes espelhos, espelho, espelho meu. Mas a gente nem sabe direito onde está se metendo, e toca a correr porque ainda não vimos tudo, não fizemos nem a metade, quase nada entendemos. Somos eternos devedores.
Ordens aqui e ali, alguém sopra as falas, outro desenha os gestos, vai sair tudo bem: nada depressivo nem negativo, tudo tem de parecer uma festa, noite de estreia com adrenalina e aplausos ao final.
(No livro - Múltipla Escolha, Ed. Record, 2010)


Lya Fett Luft (Santa Cruz do Sul, 15 de setembro de 1938) é uma romancista, poetisa e tradutora brasileira. É também professora universitária e colunista da revista semanal Veja. Iniciou sua vida literária na década de 1960, como tradutora de literaturas em alemão e inglês. Luft já traduziu para o português mais de cem livros. Entre esses destacam-se traduções de Virginia Wolf, Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann. Formada em letras anglo-germânicas, Lya tem mestrados em literatura brasileira e linguística aplicada plea Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). (fonte: Wikipédia).

LINHAS VERTICAIS (Conceição Gomes)


Aí está um de meus poemas.


LINHAS VERTICAIS

Passeiam distraídos,
Assustados, contraídos
Por entre os sons da cidade
Bela música para uns
Barulho ensurdecedor para tantos.
Seus corpos: linhas traçadas na vertical
Denunciam a dança cotidiana
Que seus apressados pés
Aprenderam desde muito cedo
Mesmo resistindo à dança.

Linhas! Não muito mais que isso.
Apesar de serem tantos
Não traçam o mesmo horizonte
Destinado a todos,
Pois aprenderam muito cedo
Que alguns detém a linha imaginária
E não todos.
Enquanto as linhas verticais
( grandes rabiscos da realidade)
Não são imaginárias.

Conceição Gomes (Tamandaré – 16/10/2010)

PAREM DE FALAR MAL DA ROTINA - ELISA LUCINDA


Novidade que alegra a alma
Parem de Falar Mal da Rotina - da escritora, atriz, cantora Elisa Lucinda

Um banho de alto-astral! O espetáculo que já foi assistido por mais de 1 milhão de espectadores agora em livro. Em setembro de 2002 nascia a peça Parem de falar mal da rotina no Teatro Carlos Gomes (RJ) num horário alternativo e a preços populares. Logo nas primeiras semanas ela mostrou a que veio, alcançando enorme sucesso de público e crítica. A cerimônia de repeti-lo todos os dias especializou sua criadora na arte de estreá-lo diariamente. É uma nova peça todos os dias e é sempre um Parem mais atualizado e mais contemporâneo a cada temporada. Como uma obra aberta, tudo de rico e “ensinante” que ocorre na vida a todo o momento cabe e se transforma.
Desde o início, o espetáculo demonstrou ter um componente que “vicia” e se tornou comum encontrar em todas as apresentações pessoas que voltavam várias vezes, ora com familiares, amigos, namorados ou mesmo sozinhos. E logo seguiram os depoimentos de gente que dizia que, a partir dele, assumiram uma postura e mudaram suas vidas. Em Barcelona, onde fez quase cem apresentações, uma senhora disse à Elisa que trocara suas pílulas antidepressivas por uma sessão diária do espetáculo. A verdade é que o Parem tem seguidores, fã-clube, Orkut e discípulos. Amado por reis e plebeus, gargalhado por gregos e baianos, emocionado e chorado por crianças, sogras, pais, noras, mulheres, maridos de todas as classes e, de platéia sortida, esse espetáculo, agora adaptado para livro, te convida a desvendar o seu segredo. Vem!

Abaixo temos um trecho do livro.

Ensina-me a viver

Escrevo
esta numa segunda-feira que se deu esplendorosa. Era, como todos, um
dia diferente. Desde que nascera, reparei na barra dele em babados de
espessas nuvens a cobrir a base do Morro Dois Irmãos que, de lá, pisca
para minha ladeira. A manhã, eu a tudo vi, parecia uma menina vestida de
senhora, mas, aos poucos, foi descortinando seus véus e uma
transparente membrana de neblina e tule se espalhara sobre o céu prata.

O
luminoso nublado dia de hoje avançara com seu grafite leitoso e seus
discretos ventos frios, até o meio da tarde em franca antagonia aos
lampejos de azuis, que tentavam mudar de tom a paisagem. O fog, aquela
fumacinha que se vaporiza sobre a cena, fazia incríveis coberturas e,
qual ilusão, desaparecia com montanhas, lagoas, árvores e recortes.
Devagar, porém de repente, está tudo nítido, brilhoso outra vez!

No
azul, dava até para nomear pássaros. Vêm micos na minha janela à
procura de banana e os carros, enquanto tudo rola na natureza, zanzam
pelas ruas entre buzinas, pressas, semáforos e outras sinalizações que
fazem o mundo funcionar. Está reluzente o mundo que admiro. No entanto
de novo sobre tudo, a mesma abóboda clara, a grande concha acústica que
nos cobre no teatro da vida é tomada agora por um clima escurecedor, uma
espécie de sombra de algodão negro, uma nuvem sinistra que caminha em
direção à nossa casa.

Ouve-se o som. Poderia dar medo, mas não. É
Djavan que toca no meu rádio e o que se mistura à percussão musical são
os pingos da chuva que todo aquele aparato celeste quisera anunciar
desde cedo. Era tudo para ela. O que vi, o que no firmamento se sucedera
era pretexto da chuva e para a chuva. Toda aquela organização, o elenco
de brisas, mares, pássaros e árvores que nem citei aqui, também estão
na peça. Poderia ser ficção, mas é real e esse é o cenário
que vejo
daqui, donde escrevo, numa cadeira disposta diante da mesinha branca de
ferro, numa quina de varanda florida que parece uma nave jardim.

Daqui
de cima, depois dos oréganos, beijos, avencas, tapetes, orquídeas,
azaleias, lavandas, rosas, coentros e manjericões que estão em primeiro
plano em um jardim suspenso, assisto e navego na paisagem do dia lá fora
até que a noite chegue, em sua madrugada eu me deite e durma para o
novo dia. É setembro, é espetacular viver, tudo parece um circo, uma
novela, um cinema, um filme, um programa de TV e é sobre isso este
livro. Sobre a dramaturgia dos dias que ocorrem em nossa vida; capítulos
de folhetim que não cessam de inspirar aos novelistas e romancistas de
plantão. E sob tais roteiros respiram nossos motivos.

A câmera
dos olhos possui alguns bons recursos: foca, enquadra, escolhe, exclui,
desfoca. Pelas janelas dos olhos e de outros sentidos, pois cada sentido
possui suas janelas por onde passa o mundo, assistimos e atuamos nesta
grande obra aberta que é a vida; este imenso folhetim com direito a
cenário e toda a ficha técnica de qualquer grande produção. Com a
sofisticação da dramaturgia da vida que supera, inúmeras vezes, em
impacto e melodrama, muitas ficções, e nos cabe a missão de aprender a
estrear nela sempre, como fazem o sol, a lua e outros milenares astros.

Pois,
como coisa viva e determinante que é, quem levantou toda esta onda fora
uma despretensiosa peça teatral - P arem de falar mal da rotina - que
jamais imaginei que um dia fosse virar literatura. Era também de um
setembro a primavera em que a montamos, há oito anos. Quando Amir Hadad,
ao dirigir o lindo Teatro Carlos Gomes, me convidou para fazer uma peça
que formasse plateia no horário alternativo, no centrão do Rio daquela
praça Tiradentes, eu não sabia o que me esperava.

Que tipo de
acaso, combinado com minha decisão de aceitar tal convite, terá gerado
tão extensa missão? Recém-chegada da Espanha, onde encenei, no festival
de teatro em Sitges, poemas do Eu te amo e suas estréias, descubro que o
jornal La Vangardia disse que o público levava a impressão de ter me
encontrado muito à vontade na sala de minha casa. Tais palavras do
periódico me inspiraram a bolar um espetáculo que brindasse as estreias
cotidianas e em que o público me encontrasse dentro de uma banheira como
a começar um novo dia.

Escolhi uns poemas que traduzissem estas
intenções, levantei cenas para melhor ilustrá-los, improvisaria textos
para bordar o caminho de um poema a outro, a fim de desenhar as costuras
e pronto. Lá fui eu e meu precioso amigo Davi Miguel, que foi o
primeiro produtor da peça, a abrir as cortinas do teatro numa
terça-feira em que um infortúnio fazia com que uma espécie de terror
bandido fechasse a cidade e, por conta disso, só catorze pessoas
ocupavam o espaço de seiscentos lugares. No entanto, o que se deu nas
sessões seguintes fora a multiplicação da plateia, como um milagre. E
nunca mais parei.

Oito anos depois, o que se vê é um público que
não cessa de crescer, formando um extenso e interminável boca a boca.
Tem sempre alguém perguntando quando é que a peça vai voltar para esta
ou aquela cidade. Muitos repetiram mais de uma dezena de vezes a
“experiência”. Falo experiência porque assim o é para mim também. Desde
sua primeira estreia, esta peça já foi tantas, por dentro e por fora!
Mudaram seus bastidores, seus trabalhadores detrás dos panos, e não
cessa de girar mais e mais o mutante contexto: mudo poema, invento ou
conheço histórias novas de onde brotam novas cenas.

Como um
mosaico ou um quebra-cabeças, diversificados formatos e ordens variadas
compõem a história deste espetáculo. Não para, não se repete e acho que é
esse um dos principais motivos pelos quais o público vem ver de novo.
Quer verificar o que é fixo, o que é improviso, o que faz parte sempre
do enredo e o que estou inventado na hora. No hall do teatro dispomos
uns cadernos onde o público deixa suas impressões. É curioso o arsenal
de confissões
deixado ali. Domésticas histórias confirmam, por
escrito, o que me é oferecido em gargalhadas, lágrimas, ovações. Os
depoimentos desfilam relatos daquela experiência teatral na vida das
pessoas.

Daquele faz de conta que as revela. Há ainda os que
foram ver a peça saídos de sessões quimioterápicas, dezenas afirmam que o
espetáculo é uma espécie de psicanálise selvagem. Outros disseram que
até da gripe ficaram curados ali, no escuro do teatro. Mistério da arte.
O que é verdade é que a todo instante nosso sonho é posto à prova. E,
ainda escutamos a voz de Guimarães Rosa a soprar em nossos ouvidos que o
que a vida quer da gente é coragem, nem sempre estamos disponíveis ou
fortes para tanto.

Cada um sabe onde lateja seu desamparo.
Talvez, através da brincadeira e do riso, pelas mãos da emoção e pelas
conclusões da inteligência do público, os conteúdos do Parem
potencializem esta coragem de seguir avante e reenergizem nossa oficina
de desejos. Nesta dinâmica interativa, muitos novos conhecimentos me
foram transmitidos pelo público ao se ver retratado com igualdade no
palco. Me agrada que a arte sirva para esclarecimentos do mesmo mundo. É
sua maior serventia.

Um ano ou mais depois de ter estreado,
Geovana Pires, ilustre presença nos bastidores deste processo, sem a
qual, de muitas iluminações ele teria ficado órfão, lançara, sem querer,
a semente deste livro de agora. Foi ela quem perguntou, depois de
assistir a praticamente todas as sessões da primeira temporada, onde
estava o texto, porque gostaria de marcar ali quantas personagens eu
vivia em cena, uma vez que não dispunha desta resposta. Disse-lhe que
nunca houvera texto escrito neste caso, que o mesmo nascera no palco,
falado, vivo, oral.

E assim como a vida, também nunca tivera
ensaio. Não tinha texto fixo: todo dia eu dizia de uma maneira diferente
a mesma essência. Cuidadosa, Geovana, então minha aluna e jovem
estudante de teatro, com afeto e dedicada paciência transcreveu toda
aquela dramaturgia a escutar uma fita cassete. Embora seja aos olhos de
hoje obsoleto o método, era o que havia de registro ali. Depois desse
valio so trabalho e resolvidas nossas dúvidas da época, Geo virou
assistente
de direção e passou a ser, de fora, o fundamental olhar do espetáculo para mim.

Desculpe-me
chatear-lhe com estes detalhes, mas é para o caso de alguém querer
saber como tudo começou, e só o faço aqui sem cerimônia, porque sei que
lhe está assegurado o direito de não me ler caso não queira. O Parem em
versão livro começou a nascer no palco da peça que o gerou. Numa das
cenas com a plateia, acabei por conhecer um rapaz do público, o Bruno,
que me disse estar ali a serviço de um editor interessado em publicar o
texto. Para encurtar a conversa, o nome do homem é Pedro Almeida e virou
mesmo meu editor. O negócio ficou animado e o que eu pensei que seria
fácil revelou-se um hercúleo trabalho.

Não sabia, àquela altura, que este seria meu mais difícil livro. Não cheguei a sofrer porque não sofro para escrever, não
me
custa e é, em verdade, um antídoto para o que me pretende molestar. Mas
os livros anteriores já me saíram como literatura. Tratei-os desde
sempre assim. Aqui a prática nasceu antes da teoria. De todas as obras
incompletas (sou das que às vezes acha que a incompletude é da natureza
das obras), esta me parece a mais flagrante. Senão vejamos: nunca mais
voltamos ao texto a não ser agora, quando preparo para a LeYa esta
versão.

Mais que recolher o que nascera encenado sob ribaltas,
focos, cenário, música, comunicação direta, risos e lágrimas, ações e
reações da comédia e do drama e transformá-lo em escrito, o resultado
alcançado aqui teve que se assumir como uma obra aberta e em progresso.
Olho este livro como uma grande conversa que também se transforma a cada
momento, mesmo escrita, uma vez que é no coração de cada um
separadamente que a literatura costuma fazer o seu silencioso e
emocional serviço.

Foi porque percebi que havia um fino véu
envolvendo o óbvio para que não víssemos o mistério de seu processo é
que começou essa brincadeira séria de retirar seus véus e descobrir o
novo no varejo. A poesia está entrelaçada em minha vida desde que era
pequena e está aqui entremeada nesse apanhado de flagrantes que o Parem
é. Uma colcha de retalhos bordada de personagens tão comuns pescados do
mar do cotidiano, que parece coisa inventada. Mas este oceano de
trivialidades pede nomes, riquíssimo mar, sem o qual nenhum romance
seria possível.

Ninguém escapa do cotidiano como ambiente e
cenário nos quais habitam cenas simples e antológicas de nascimento,
crescimento, convívio e morte. Com o tempo, foi ficando cada vez mais
claro para mim como nossa vida parece uma grande ficção se a olharmos
pelas lentes da realidade com os sentidos a postos. Este grande filme de
cenas reais é uma peça que parece com a vida assim como a vida parece
uma peça. O conhecimento, como tudo, não é estático. E o danado deste
assunto só fazia aumentar em meus pensamentos.

Enquanto no
teatro meu dilema era como diminuir e alternar passagens e episódios a
fim de reduzir as costumeiras quase três horas, aqui me livro de todas
ao mesmo tempo. Não desejo que meus pensamentos tenham razão sobre a
razão de ninguém. Aprende-se na diferença de opiniões e saberes e, como
em qualquer comunidade virtual, estamos aqui postando pensamentos na
rede. Refletir sobre as necessidades, os motivos, as ações e sobre a
qualidade do texto de nosso sujeito, do personagem central da nossa
trama, é um direito garantido pelo sonho ao sonhador. Nunca um dia
passara sem que algo me fosse pela vida ensinado.

Nem sempre boa
aluna, muita coisa deixei escapar, mas não desperdiçaria no meu enredo o
presente deste presente de agora, por exemplo. Creia-me, escrevo neste
iluminado dia em que aprendi que o líquido amniótico tem som de mar, e a
placenta, música de vento! Fiquei chocada, comecei a chorar. Existem
coisas que aparentemente não querem dizer nada, mas fazem muito sentido.
Mais que isso, foi me dada a honra de limpar e trocar a primeira fralda
de um homem de amanhã! O neném que eu hoje cuidei.

Um dia
também fui um e, independente do meu saber, o gesto completa a ciranda.
Salve, salve o menino que ao nascer na chuvosa noite de hoje faz deste
livro seu irmão e confirma o lugar de mestre que a criança ocupa no
cinema realidade da minha vida e sem a qual muitas verdades
inocentemente desconcertantes não seriam ditas aqui. Precisou este
príncipe Gabriel nascer perto do meu núcleo, vizinho de minha rua, trama
do meu crochê, elemento de meu percurso, traço do meu mapa, para que eu
soubesse desta ancestral verdade dos sons do planeta ventre!

Esta
novidade antiga ressignificara a concha do mar para mim a guardar esse
conhecidíssimo murmúrio que há tantos anos me garante a mesma melodia,
que acalma, aconselha e aquieta a alma. E digo mais, o menino cheirava à
maresia. Verdade. Não era ficção. Fui eu que vivi. Posso falar, faço o
papel da madrinha! Isso pode até parecer mentira, pois “fica meio
inventado pegar com o nome a medula das coisas”, diz Adélia Prado. Mas é
assim, nomeando, que nos
contamos uns aos outros, comungando
prazeres e penas. Na dança das carapuças nos identificamos com pessoas e
fatos de histórias, fábulas, ficções.

Mas o homem antecede a
lenda. Para inventá-la é que ele nasceu antes. Escutei num filme que uma
obra de arte nos lembra e explica quem somos agora. Ou seja, à sua
maneira, todo horror e toda beleza podem nos ler. Tudo diz de nós. Até
um pôr do sol, uma lágrima, um livro. E cada vez que à mesma obra somos
expostos, já somos outros e por isso a obra é outra também. Veja bem, ao
formar plateia num espetáculo em horário alternativo, num teatro de
centenas de lugares, com um texto poético, monólogo com mais de duas
horas que conquistou a todos, sem excluir os populares, o Parem
desmoraliza muitos pré-conceitos.

E apesar de sua forte presença
poética, muito me honra que tenha sido o primeiro teatro de muita
gente. Isso pode provar mais uma vez que o povo quer consideração e,
romântico, consome poesia como saboreia o pão. “Eu escrevo para a Maria
de Todo Dia, eu escrevo para o João Cara de pão”, assim diz seu
Quintana. E eu o acompanho. Não quero escrever nem representar para uma
só espécie de grupo ou gueto. Me dedico sem reservas para que minha
palavra seja entendida. Nela estou e vou.

Eis um livro nascido
de um improviso do palco. Foi construído sem intenção de virar escritura
este que é uma conversa sem fim, viva e experimentada com públicos
variadíssimos de tribos, “camadas” sociais e idades diferentes, durante
quase uma década. Eu mesma custei a entender isso. Foi difícil
preservá-la como conversa e terminá-la como livro. Até que pudesse
compreender enfim que era possível apenas interrompê-la. O Parem é uma
reflexão em voz alta sobre algumas cenas do espetáculo de existir, em
que uma folha seca caindo no canto da paisagem tem tanta importância
quanto um gargalhadinha de um bebê, um beijo, uma palavra ou um crime.
Tudo se aproveita neste filme; até o “mau exemplo”.

E tanto
viver nos remete à ficção que não nos foi difícil escolher títulos de
cinema, TV, teatro e literatura para nomear capítulos e subtítulos das
cenas deste livro. Os pensamentos daqui são abertos porque é da natureza
livre dos pensamentos serem abertos, é condição do que voa. Amanhã
muita coisa daqui já saberei melhor e diferente. De outras, discordarei
talvez. Uma nova ideia ou descoberta pode desintegrar algumas certezas e
fortalecer o que hoje
apenas suponho e chamo de dúvida. Reunidas as
versões de tantas temporadas, seu conceito se confirma, mas o assunto
não se esgota.

Mutante que sempre foi (pois quem afirma que a
rotina é palco de estreias deve dar o exemplo), este Parem é um trem que
não para desde que partiu. Que a viagem por esta singela janela sobre
trilhos e envolta em diversos cenários e paisagens lhe sirva de algum
modo, nem que seja só para apresentar à mesa o tema. O que chamamos de
rotina que também atende pelo nome vida, todo dia nos ensina com sua
incessante mutação. Como hoje o fez o céu ao me ensinar a canção do dia
nublado em que nascera mais um menino no mundo e este livro. Generoso o
céu pertence a todos e a cada um separadamente também.

Por achar
que é bom pilotar os vagões dos dias pensando assim, quis compartilhar
com meus leitores - grande elenco com quem contraceno e falo - o
democrático entretenimento, ao alcance de todos. Creio, não será a
primeira vez que brincaremos, adultos que somos, de possíveis utopias. O
que sei dizer é que tudo o que ocorre no mundo ecoa no meu coração,
curioso aprendiz. Por isso, dor ou amor, guerra ou beleza, medo ou paz,
tudo que peço das coisas que me circundam, beijam ou firam, tudo o que
peço ao céus a toda hora e quase sem saber, é: Ah, professora dona Vida,
ensina-me a viver.

Rio de Janeiro, 27 de setembro das crianças,
mimosa primavera de 2010
elisa lucinda

REINAUGURAÇÃO! Saudações!


Queridos(as) visitantes do blog... Saudações!
Depois de bastante tempo sem atualizar o blog resolvi radicalizar: apaguei as postagens para reinauguração.

Teremos postagens sobre livros, músicas, filmes,poemas (alguns meus).
Sejam todos novamente bem-vindos.
Comentem, critiquem, elogiem, sugiram.
A todos um grande abraço e um beijo gostoso.