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Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

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quinta-feira, 19 de julho de 2012

“Ainda não temos uma literatura policial brasileira”



Escrito por Luís Henrique Pellanda   


O escritor carioca Luiz Alfredo Garcia-Roza elabora seus enigmas do mesmo modo que seu personagem, o delegado Espinosa, busca decifrá-los: deixando-se levar por trilhas que desconhece. O método é anárquico, e o caminho, repleto de desvios e bifurcações, quase imprevisível. Garcia-Roza admite que essa não é a maneira mais prudente de se escrever uma novela policial, e muito menos a mais “exitosa”. Mas o próprio Espinosa está preparado para isso — o perigo de fracassar —, e nem sempre é completamente bem-sucedido em suas investigações. Ao fim dos trabalhos, resta sempre uma ou outra sombra de dúvida. Como poderia, afinal, um policial ético como ele estar certo a respeito de tudo?

Em Fantasma — nono livro protagonizado pelo delegado Espinosa, da 12ª DP, de Copacabana —, um homem não identificado, possivelmente estrangeiro, aparece esfaqueado e morto numa grande avenida do bairro. Tudo indica que ele foi vítima de um latrocínio comum, e as únicas testemunhas do crime — quem sabe, os assassinos do desconhecido — são os sem-teto da região. Entre eles, a educada e misteriosa Princesa é a que mais interessa a Espinosa: ela parece saber o que houve na madrugada do assassinato. O problema, porém, é o que Princesa não sabe distinguir seus sonhos da realidade que a cerca. Assim, suas versões para o ocorrido são bastante conflitantes e voláteis, o que não impede Espinosa de, em parte, basear-se nelas para buscar alguma verdade.

Para Luiz Alfredo Garcia-Roza, aliás, a própria mentira seria “um dos caminhos” dessa verdade. E é a respeito disso que ele fala nessa breve entrevista sobre o universo das novelas policiais.

Apesar do gosto do público brasileiro pelas histórias de crime e mistério em geral, dos quase 30 anos que nos separam da ditadura militar e do grande sucesso de Rubem Fonseca, o Brasil ainda não desenvolveu uma tradição nesse gênero. Como anda essa literatura entre nós? Ainda estamos longe de fundar o nosso “clube do crime”?
Apesar dos autores surgidos a partir da virada do século, acho que ainda não temos produção suficiente para caracterizar uma literatura policial brasileira. Temos autores brasileiros de novela policial, não uma literatura policial brasileira. Mas creio que é uma questão de tempo.

Borges dizia que o romance realista estava destruindo a narrativa ficcional clássica, e por isso afirmava apreciar imensamente os livros policiais. Numa palestra de 1978, ele decretou: “Nesta época, que é tão caótica, há algo que, a seu modo modesto, manteve as virtudes clássicas: o conto policial. Pois um conto policial não pode ser compreendido sem um começo, um meio e um fim”. Você concorda? Isso ainda é válido?
Apesar das mudanças sofridas, o conto policial ainda segue o caminho sugerido por Poe: um enigma a ser decifrado, um método de decifração e o decifrador/detetive. Se eliminarmos um desses componentes, quebramos a estrutura básica da mistery novel.

Orhan Pamuk escreveu: “Como não nos exaurimos com o esforço constante de formular perguntas básicas sobre o sentido da vida, sentimo-nos confortáveis e seguros lendo romances de gênero. (...) Na verdade, lemos esses romances para sentir a paz e a segurança de estarmos em casa”. A partir dessa declaração do Nobel turco, duas perguntas. A primeira: o romance policial não deve ser também perturbador? E a segunda: por que ler romances policiais?
Não vejo o romance policial como apaziguador do pensamento ou aspirina da alma, mas como uma prática da suspeita. Seu ponto de partida é um enigma a ser decifrado ou um problema a ser resolvido, portanto, algo que move o leitor, que o deixa inquieto, e não que o faça dormir. O romance policial arranca o leitor da pasmaceira da contemplação imobilizadora e o lança numa busca que muitas vezes não tem um final feliz e tranquilizador. A analogia que se pode fazer é com a filosofia e a psicanálise; não quanto ao conteúdo, mas quanto a serem, as três, práticas da suspeita.

Espinosa investiga crimes a partir de um método próximo ao psicanalítico: faz associações mais ou menos livres, deixa que certas fantasias dominem os fatos e trabalha com o imaginário, o seu próprio e o do outro — criminosos, vítimas, testemunhas etc. Você escreve de maneira parecida? Como você cria os casos de seus romances?
Meu modo de escrever é um tanto anárquico. O mais comum é eu começar de um fato isolado, desimportante, mundano, e construir um caminho cujo fim eu desconheço e cujos desvios e bifurcações vão se fazendo ao sabor (ou dissabor) da própria narrativa. Não é a maneira mais prudente nem mais fácil de escrever, nem necessariamente a mais exitosa.

Em Fantasma, uma das personagens centrais da trama, Princesa, não vê diferença clara entre sonho e fantasia, imaginação e fato, realidade e ficção, e chega a dizer que “todo sonho meu é verdade”. Espinosa, apesar de se irritar com essa postura, jamais descarta totalmente a possibilidade de Princesa estar falando alguma verdade. Os sonhos não mentem?
Mentem. Exatamente por isso ocultam a verdade. A mentira é um dos caminhos da verdade.

Você já disse que não escreve sobre a nossa polícia, mas “apesar” da nossa polícia. A ética de Espinosa é sempre lembrada pelos leitores, e a consideração especial do seu delegado pelos sem-teto e os mendigos, por exemplo, também é recorrente em seus livros. Esse traço do caráter de Espinosa surgiu propositalmente? É o que mais o define como ser ético? O que a relação entre o delegado e os moradores de rua representa para você?
Não se trata apenas da relação entre Espinosa e os moradores de rua, mas da relação entre Espinosa e o outro. A ética do delegado Espinosa mantém uma respeitosa proximidade com a ética do seu homônimo do século 17, Baruch Spinoza. Assim como Baruch, Espinosa é um homem comum, nada tem a ver com a figura do herói. É a singularidade do delegado que o torna extraordinário aos nossos olhos.

Em Fantasma, tudo é fugidio e — claro — fantasmagórico: vítimas, suspeitos, testemunhas. A hipótese de uma mala desaparecida, um motivo real para os crimes, parece ser o que mantém Espinosa preso à concretude dos fatos. Assim, fantasiar sobre a existência de algo real em meio a fantasmas aparentes acaba sendo a única maneira de se chegar a uma possível decifração do enigma. Essa seria uma interpretação pertinente?
Eu substituiria a palavra “fantasmagórico” por “fantasmático”. Fantasma se passa na zona limítrofe entre fantasia e realidade. A própria mala, referência central de toda a história, parece fazer parte dos “objetos não-existentes” do começo da narrativa. A realidade se apresenta o tempo todo como um enigma, e Espinosa é seu decifrador.

Lembro de uma frase sua, marcante: “A beleza é quase uma doença do Rio”. Sendo assim, qual a importância, o papel da beleza em seus livros?
Papel central, embora nem sempre visível.

Espinosa é um personagem andarilho, observador. Para usar a expressão de João do Rio, é um conhecedor da alma das ruas. É claro que, ao invés de retratar qualquer aspecto social do crime no Brasil ou no Rio de Janeiro, seus livros parecem vasculhar a “alma” de um criminoso universal. Mesmo assim, podemos imaginar que o crime carioca possua uma alma particular?
O que eu sugiro nos meus livros é que o “criminoso universal” não existe. O criminoso é sempre um indivíduo singular, e o mesmo podemos dizer de sua “alma”. A “alma” do criminoso é como a “alma” do soul ou do jazz, expressa-se sempre como singularidade. O criminoso universal seria uma espécie de modelo platônico do mal, teria de ser escrito com maiúsculas. Como Baruch Spinoza, nosso Espinosa não acredita na existência do Bem e do Mal, mas do bom e do mau.

Já lhe perguntaram se você pensa em escrever novelas ou romances que não sejam policiais. Mas você já pensou em ser cronista?
Não. João do Rio e Rubem Braga já preencheram as vagas disponíveis. Me faltam o olhar poético e a capacidade que eles tinham de descrever o mundano na sua infinita multiplicidade.

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