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Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

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quinta-feira, 19 de julho de 2012

Os clássicos que eles não leram


Escrito por André Valença   
 
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Você acordou, esfregou os olhos, levantou o pescoço e focou o mundo. Na diametral do quarto, resistindo ser esmagado pelos outros livros na prateleira, jaz Ulysses, clássico da literatura do irlandês James Joyce. Com a força hercúlea de 18 capítulos (1112 páginas na nova tradução de Caetano Galindo pela Penguin-Companhia), pontuado por neologismos, incontáveis referências culturais e narração inventiva, ele lhe lança um olhar repreensivo. Você o mira de volta, todo culpa. É seu mais temeroso inimigo, e você o deseja ao seu lado. Não se atormente, caro leitor. Você é tão caro aqui quanto é para Joyce. Esse problema que o aflige, de estar em falta com o que considera essencial como literatura, atinge, como você verá, até os mais diligentes leitores.

Não o li por completo – admito; este repórter admite –, mas sei que em Como falar sobre livros que não leu (título um tanto canalha, quase se confundindo com autoajuda), o professor francês Pierre Bayard, da Universidade Paris 8, afirma que ler um livro da primeira à última linha é apenas uma das mil formas de apreender uma obra e que a exigência de conhecer cada palavra dos clássicos nos impinge desnecessária culpa. Bayard ainda insiste em fazer um pedido: que seus colegas acadêmicos parem de referenciar livros que evidentemente não leram em notas de rodapé. Concordando ou não com as polêmicas afirmações do francês, a Continente Online decidiu procurar alguns escritores, jornalistas, críticos e professores dispostos a responder a pergunta: “Qual clássico da Literatura você não leu?”. No entanto, para descobrir as respostas, você terá que ler.

“Quanto mais leio, mais largo”, confessa Ronaldo Bressane, escritor, jornalista, editor e praticante de uma leitura em zapping, como se define. “Eu leio muitos livros ao mesmo tempo, vou deixando as narrativas em suspensão por meses e, às vezes, anos”. Por isso é fã de contos, sobrepondo no criado-mudo dúzias de livros do gênero narrativo, que abre aleatoriamente para embarcar no universo de um determinado escritor que admira.

“Eu não consigo imaginar como é que se lê um romance em pedaços”, comenta numa outra direção Anco Márcio Tenório Vieira, professor do departamento de Letras da UFPE. “Esta tese pode muito bem se aplicar aos livros de contos e aos de poemas, mas não às narrativas de romance”.

Sobre suas leituras pendentes, Bressane recorda que até os 25 anos tinha pleno domínio da própria biblioteca, mas reconhece que este controle ficou no passado: “agora ela parece um monumento à minha falta de tempo, ao meu excesso de distração e de interesses”. Além de Mahabharata, de Pópol Vule do Livro tibetano dos mortos, uma obra que Bressane não leu e considera importante é o Ulysses, do Joyce, base de praticamente toda a literatura do século 20 pra cá. “Tenho a impressão de que quando, afinal, passar da página cem – e creio que vai ser nesta excelente tradução do Caetano Galindo, que me pegou – , vou lê-lo como quem começou a ouvir rock a partir do punk, mas nunca escutou Beatles: como quem re-encontra pessoas que você conhecia, mas, ao mesmo tempo, jamais tinha visto”.

Se Ulysses é o grande muro a ser saltado por Bressane, quem sabe Galindo, que mais do que ultrapassou esta barreira, traduzindo a obra, já não está satisfeito com sua cota de clássicos lidos? Há algum que não leu? “Uai, pilhas! Mas o [Em busca do tempo perdido, de] Proust está no alto da pilha da vergonha”, confessa o tradutor.

Já é noite. Você deita mais uma vez na cama. Olha as horas e lá se vão tantas. “O tempo perdido é este que que eu passo no ócio”, pensa, enquanto ironicamente os seis volumes do Em busca do tempo perdido, de Marcel Proust, lhe olham com desprezo. Você vira o rosto, ao invés de olhar para frente e admitir sua limitações.

Em Bonsai (esse eu li todo, mas é bem curtinho), novela do chileno Alejandro Zambra recém-lançada pela Cosac Naify no Brasil, “a primeira mentira que Julio contou a Emilia foi que tinha lido Proust” e “naquela mesma noite, Emilia mentiu para Julio, e a mentira foi a mesma, que tinha lido Marcel Proust”. Os dois personagens prosseguem comentando o livro e até se convencem que têm que acessá-lo novamente, pois é uma daquelas obras que mesmo depois de lidas a gente considera pendentes. Não é um cenário incomum, e apesar de muitos dos entrevistados já terem passado por situação parecida, eles foram unânimes na opinião de que não há sentido em ocultar suas lacunas literárias.

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“Faz bem confessar nossa ignorância, até porque uma única vida não seria bastante para ler tantos livros”, reflete Ronaldo Correia de Brito, dramaturgo, contista, romancista e que ainda não leu A divina comédia, de Dante Alighieri. Antônio Xerxenesky, escritor gaúcho encalhado no primeiro volume de Proust, hoje em dia não tem mais vergonha em admitir falhas no currículo, mas relembra que, em rodas de amigos, quando ainda se importava em parecer “moderadamente intelectual”, fingiu leituras. “Um que eu lembro foi O grande Gatsby”, confessa, que, no final das contas, acabou lendo e adorando. “É muito rico, além de confortador, expor nossos limites”, acredita o escritor e crítico literário José Castello que também sempre desejou ler “o livrão do Proust” e tem um projeto pessoal de passar uns dias numa praia ou montanha só para devorar a versão integral de Dom Quixote, do qual só acessou trechos soltos e versões adaptadas. “Mas é claro que as pessoas blefam. Eu mesmo já fiz isso no passado, quando era jovem e mais inseguro. Hoje me vigio ao máximo, tento expor do modo mais claro que posso as minhas deficiências e as minhas fraquezas, que são muitas”, completa.
 
“Quando eu desconheço a obra eu digo que desconheço, sem nenhum problema”, comenta Anco, que pretende voltar à sua leitura inacabada d'A Morte de Virgílio, de Hermann Broch. “Na verdade, eu gostaria de mentir sobre algumas obras que eu li, não sobre as que eu deixei de ler. Alguns livros são tão ruins que eu termino tendo vergonha do autor”. Já Castello afirma: “existem muito mais coisas importantes que não li do que coisas importantes que li. É muito frustrante admitir, mas é isso”.
 
Sem remorsos de não sentir “adorações” pelo Dom Casmurro, de Machado de Assis, o escritor e jornalista Samarone Lima, leitor “caótico e muito sem direcionamento”, é mais da linha de Bressane. “Literatura é libertária. Se eu não tô gostando, não tá me convencendo, eu vou procurar outro autor que me faça feliz”.
 
Na madrugada você sonha. Com moinhos de vento nunca lidos.
 
É possível ter uma conversa realmente profunda com outra pessoa sobre uma obra que não leu? O enredo de Dom Quixote, por exemplo, apesar de lermos apenas trechos, ou só ouvirmos falar, sabemos se tratar da demanda do autoproclamado cavaleiro para salvar sua amada Dulcineia. E não raramente nos pegamos em discussões filosóficas citando os imbatíveis moinhos de vento, gigantes que nunca venceremos. “E isso faz parte dessa definição de 'clássico', né? De um livro que é importante e conhecido até pra quem não leu”, Galindo põe em questão. “Muita coisa eu sei que é importante para minha formação e informação, mas, por excesso de leituras contextuais e intertextuais, eu tenho até a impressão de já ter lido aquilo”, expõe Bressane.

“Acho que só podemos falar com alguma propriedade de um livro se o lemos até o final. Já escrevi dezenas de resenhas e orelhas não assinadas, e sempre li até o final, por mais torturante e chato que fosse o livro”, pontua Xerxenesky, adicionando que “claro, às vezes lendo apenas um trecho podemos entender qual é a sua proposta estética e descartarmos sua leitura ainda no início”. “Paul Valéry dizia isso, que largava os livros pelo meio quando achava que já tinha entendido sua estratégia”, comenta José Castello, e acrescenta: “isso é possível no caso dos livros medianos ou banais, eu penso. Mas no caso dos grandes livros, acho sempre perigoso. Agora, a literatura não está na esfera do sagrado, mas do humano. Nada nos impede de ler o que é possível e de tirar alguma coisa boa disso. O importante é ler”.

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É o eterno dilema do leitor contemporâneo, que não tem tempo de ir atrás de tudo o que lhe interessa. Se se detém num livro que lhe exausta e lhe custa, pode estar perdendo a oportunidade de ler outra coisa que lhe agrade. Se não termina o texto, talvez nunca mais saiba se a obra como um todo lhe servia. “Tem autores que eu lamento de não ter lido antes”, diz Samarone, “Guimarães Rosa, o Grande Sertões: veredas, eu lembro que passei pela primeira página umas duas vezes e fiquei: 'porra, que negócio complicado'. Encontrei Sérgio Buarque e ele perguntou: 'você não leu ainda?'. Eu não dava muita bola, mas ele insistiu. Foi um dos negócios mais impactantes que eu já li na vida. A beleza, a dimensão dos personagens, a história. E depois eu agradeci a ele, porque seria uma pena se eu tivesse passado por essa vida e não tivesse lido”. Bressane também comenta uma experiência semelhante: “Recentemente terminei de ler O Mestre e Margarida, do Bulgákov. Eu tinha começado nos anos 90 e parei, por terem me furtado o livro, e agora pensei: imagine a tristeza de passar a vida sem ter podido terminar esse romance! As boas histórias sempre acabam se re-encontrando. Deve existir um céu só pra isso”.

Os entrevistados comentam os enredos dos clássicos que não leram:

Anco Márcio Tenório Vieira (A Morte de Virgílio): “O romance aborda as últimas horas da vida do poeta latino Virgílio. É, na verdade, quase que um longo monólogo interior, onde o poeta relembra sua vida e começa a entrelaçar, de maneira confusa, os fatos do presente com aqueles do passado, a realidade com o sonho”.

Antônio Xerxenesky (Em busca do tempo perdido): “Lemos tanto sobre Proust em outros lugares que qualquer leitor mais dedicado sabe mencionar o episódio da madeleine e sabe que o livro gira em torno da questão do tempo e das memórias. Ah, e que há tensão homoerótica na história. Até Ratatouille faz referência a Proust”

Caetano Galindo (Em busca do tempo perdido): “Resumir o enredo do Proust ia ser punk!”

José Castello (Em busca do tempo perdido): “Posso me arriscar a falar algumas coisas sobre essas obras, a partir do que li 'sobre' e também de trechos dispersos que consegui ler. Mas é sempre muito perigoso, e se posso escolher, prefiro não fazer isso. Muitas vezes, como repórter literário, fui obrigado a fazer por imposição do tempo industrial do jornalismo. Mas, quando fiz, fiz sempre a contragosto”.

Ronaldo Bressane (Ulysses): “Vagamente. Creio ser focado em um único dia da vida de dois maníacos chamados Leopoldo Bloom e Stephen Dedalus, suas aventuras de manhã até a noite do 16 de junho, quando Bloom volta pra casa e ouve sua mulher entrar em um transe verborrágico finalizado por vários sim, sim, sim. Acho que é uma descrição plausível sobre o livro, caso caísse no vestibular”.

Ronaldo Correia de Brito (A divina comédia): "Não se trata propriamente de descrever um enredo, mas referir as três partes do poema: Inferno, Purgatório e Paraíso. A Comédia foi escrita no século XIII, mas nunca deixou de causar interesse, seja histórico, moral, alegórico ou místico, mas, sobretudo, por ser um grande poema”.

Samarone Lima (Dom Casmurro): “Não é o cara que tem a esposa e tem aquela história que ficam na dúvida se ela traiu ou não? Mas ninguém sabe direito. Mas... para minha vida como leitor, não é uma coisa que não me faz falta. Heresia, pode ser. Mas eu sou completamente independente dessas obrigações”.

* Colaborou Gianni Paula de Melo

FONTE:
http://www.revistacontinente.com.br/index.php/component/content/article/48-literatura/7365-os-classicos-que-eles-nao-leram.html

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