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Santa Cruz do Capibaribe/ Caruaru, NE/PE, Brazil
Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

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segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

49 anos sem o Mestre Vitalino


No dia 20 de janeiro de 1963, Caruaru perdia o seu maior ícone cultural: Vitalino

Fernandino Neto

É terça-feira, dia 8 de janeiro de 1963. Estamos na Caruaru da década de 60. O cenário é o Alto do Moura, um vilarejo com poucas e simplórias casas, afastadas umas das outras, em meio à terra e ao mato. Vitalino Pereira dos Santos está voltando para casa, junto com os amigos Elias Faustino, Zé Faustino e Antonio Botija com quem formava uma bandinha de pífanos que costumava tocar nas festas mais tradicionais daquela época: as novenas. Mais do que um artesão de mão cheia, Vitalino era também muito religioso, gostava de tocar pífano e, como bom nordestino, tomar cachaça e estar entre amigos.

Voltava de uma novena e, devido à falta de infraestrutura no Alto do Moura naquela época, tiveram que atravessar as águas do Ipojuca nadando. Daí para casa, a caminhada não duraria mais do que 10 minutos. A verdade é que não seria tão simples assim. Rapidamente, Vitalino começou a ter febre. Chegou em casa e deitou-se, de bruços, sob algumas árvores que haviam nos fundos de casa. Estava fraco. De repente, o filho Manuel o avista e chama a mãe, dona Joaninha que, com a ajuda do filho, coloca o marido dentro de casa. Deita-o na cama, sem saber o que aconteceu.

A partir daí, o quadro vai se agravando. Vitalino desenvolve uma varíola tão forte que nada é capaz de curá-lo. Dona Joaninha vai se virando como pode. Banho quente, chá de cabelo de coco ou de milho roxo, "para a bexiga sair", como ela própria dizia. Passam-se os dias e nenhuma melhora é observada. Até que na sexta-feira, dia 18, Vitalino levanta da cama. Faz a barba. Volta a piorar. A doença é tão forte que acomete os quatro filhos homens. Zé Caboclo, amigo de Vitalino, vai visitá-lo e pergunta à dona Joaninha se ele vai morrer à míngua, sem assistência médica.

"Ele estava preto, nem parecia ser a mesma pessoa. Uma febre muito forte. Zé Caboclo disse que iria buscar o médico e ele balançou a cabeça dizendo que sim", recorda Manuel Eudócio, amigo e discípulo de Vitalino. Zé Caboclo vai à cidade em busca de ajuda. Um médico e um padre, para confessá-lo. Recorrem ao padre Zacarias Tavares que se nega, porque a doença era contagiosa. No sábado, dr. Zé Barreto e o frei André vão até a casa dele. Vitalino já está em estado de coma e não fala mais. "O médico foi aplicar-lhe uma injeção, mas seu corpo rejeitou. O frei foi confessá-lo, mas ele não falou mais", conta Eudócio.

É domingo, 20 de janeiro de 1963. Chove sem parar em Caruaru. Às 10h da manhã, Vitalino dá seu último suspiro. Poucas pessoas acompanham de perto aquele momento. Têm medo de morrer, porque "bexiga" é doença perigosa. Além de dona Joaninha e de alguns dos filhos, lá estavam quatro ou cinco pessoas - entre elas, o cunhado Manuel a quem Vitalino chamava ‘cumpade Nequinho', casado com a irmã de dona Joaninha, Zulmira; Zé Caboclo; Manoel Antonio e João José.

"Foi algo muito rápido. Naquela época, com bexiga ou sarampo ninguém ia atrás de médico não. Sempre que a pessoa tem ‘catapora' toma banho quente, quem gosta de tomar uma cachaçazinha, toma para a ‘bixa' desaparecer. Os quatro filhos homens tiveram. Fomos curados com banho quente, banho de cachaça no corpo, passando alho", cita Severino Vitalino, filho do artesão. "Eu sofri muito. Quando meu pai faleceu, eu já estava casado e vim saber de duas horas que ele tinha falecido. Não vi ele morto. Eu tava caído mesmo, nem andava", comenta.

O medo de contrair varíola era tão grande que a cama, os lençóis e pertences como roupas e calçados de Vitalino foram todos queimados. Outro detalhe é que menos de cinco horas após o seu falecimento, ele já havia sido sepultado numa simples vala no cemitério Dom Bosco. O carro da mortuária levou o caixão. "Ele faleceu às 10h do domingo e às 14h foi enterrado. Até hoje não entendo isso, pois as pessoas costumavam ser enterradas após 24 horas", diz Severino.

Assim morria o mestre do barro. Na extrema pobreza, vítima de uma doença que hoje é facilmente tratada, sem assistência médica e sem deixar nenhuma garantia para a sobrevivência da mulher e dos seis filhos. É estranho imaginar que cessaria seus dias desta forma o homem que três anos antes de sua morte viveu dias de glória nos grandes centros urbanos do Brasil. Embora para ele aquelas viagens, homenagens e assédio por parte da imprensa não passassem de gentilezas de "superiores" que passaram a admirar o seu trabalho criativo e inovador com o barro extraído das margens do velho Ipojuca. O mesmo que lhe traíra após o banho forçado que tomara para voltar até sua casa.

Em 1960, Vitalino vai ao Rio de Janeiro e é recebido como estrela pela imprensa e autoridades. Sua ascenção na Cidade Maravilhosa é motivada pelos irmãos Condé, sobretudo João, e por Augusto Rodrigues, artista pernambucano que também morava no Rio de Janeiro. Lá, Vitalino dá os primeiros grandes passos para a internacionalização da sua obra. No ano seguinte, vai a Brasília e, em 1962, passa 25 dias em São Paulo. "Já tínhamos uma viagem programada para Nova Iorque, só faltavam os passaportes", conta Manuel Eudócio.

Sobre o mestre e amigo, Eudócio tem muitas lembranças. "Vitalino bebia e jogava muito. Perdia o pouco dinheiro que ganhava. Saía no sábado à noite e chegava na segunda-feira, de manhã, liso e bêbado. No caminho, passava na minha casa. Dizia: ‘dá licença!' Tirava o chapéu, eu dizia que não precisava, mas ele dizia: ‘não, casa alheia a gente tem que respeitá'. Ele chorava. Dizia que ainda iria pedir esmolas e que eu não negasse. Pedia também para não morrer sem confissão. Dizia que era um pecador; pecava muito. Só queria receber a hóstia no último instante da vida". Não tomou.

Eudócio também descreve traços da personalidade do artesão. "Vitalino era muito popular, conversava muito. Não era cara fechada. Ríamos muito com o que ele dizia. Vitalino não tomava um remédio sequer. Nunca tomou uma injeção. E dizia: ‘Manuel Eudócio, minha vacina é uma pingazinha'. Afirmava que quando bebia, sumia tudo. Passamos 25 dias em São Paulo, mas ele não bebeu nada. Os filhos não queriam ir com ele porque se bebesse ele faria vergonha. Ele me chamou para ir. Quando nós chegamos, ele disse à minha esposa que para onde fosse me levaria junto."

Mas aquela foi a última viagem. A próxima seria para outra dimensão. Vitalino partiu e deixou o seu legado para nossas gerações. Sua fama cresceu, como cresceu a sua cidade de 1963 até os dias atuais. E, certamente, continuará a ser expandida.

FONTE:

http://www.jornalvanguarda.com.br/v2/index.php?pagina=noticias&id=10045

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