Quem sou eu

Minha foto
Santa Cruz do Capibaribe/ Caruaru, NE/PE, Brazil
Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

SEGUIDORES

domingo, 10 de julho de 2011

Pensar é Transgredir Lya Luft




Não lembro em que momento percebi que viver deveria ser uma permanente reinvenção de nós mesmos — para não morrermos soterrados na poeira da banalidade embora pareça que ainda estamos vivos.

Mas compreendi, num lampejo: então é isso, então é assim. Apesar dos medos, convém não ser demais fútil nem demais acomodada. Algumas vezes é preciso pegar o touro pelos chifres, mergulhar para depois ver o que acontece: porque a vida não tem de ser sorvida como uma taça que se esvazia, mas como o jarro que se renova a cada gole bebido.

Para reinventar-se é preciso pensar: isso aprendi muito cedo.

Apalpar, no nevoeiro de quem somos, algo que pareça uma essência: isso, mais ou menos, sou eu. Isso é o que eu queria ser, acredito ser, quero me tornar ou já fui. Muita inquietação por baixo das águas do cotidiano. Mais cômodo seria ficar com o travesseiro sobre a cabeça e adotar o lema reconfortante: "Parar pra pensar, nem pensar!"

O problema é que quando menos se espera ele chega, o sorrateiro pensamento que nos faz parar. Pode ser no meio do shopping, no trânsito, na frente da tevê ou do computador. Simplesmente escovando os dentes. Ou na hora da droga, do sexo sem afeto, do desafeto, do rancor, da lamúria, da hesitação e da resignação.

Sem ter programado, a gente pára pra pensar.

Pode ser um susto: como espiar de um berçário confortável para um corredor com mil possibilidades. Cada porta, uma escolha. Muitas vão se abrir para um nada ou para algum absurdo. Outras, para um jardim de promessas. Alguma, para a noite além da cerca. Hora de tirar os disfarces, aposentar as máscaras e reavaliar: reavaliar-se.

Pensar pede audácia, pois refletir é transgredir a ordem do superficial que nos pressiona tanto.

Somos demasiado frívolos: buscamos o atordoamento das mil distrações, corremos de um lado a outro achando que somos grandes cumpridores de tarefas. Quando o primeiro dever seria de vez em quando parar e analisar: quem a gente é, o que fazemos com a nossa vida, o tempo, os amores. E com as obrigações também, é claro, pois não temos sempre cinco anos de idade, quando a prioridade absoluta é dormir abraçado no urso de pelúcia e prosseguir, no sono, o sonho que afinal nessa idade ainda é a vida.

Mas pensar não é apenas a ameaça de enfrentar a alma no espelho: é sair para as varandas de si mesmo e olhar em torno, e quem sabe finalmente respirar.

Compreender: somos inquilinos de algo bem maior do que o nosso pequeno segredo individual. É o poderoso ciclo da existência. Nele todos os desastres e toda a beleza têm significado como fases de um processo.

Se nos escondermos num canto escuro abafando nossos questionamentos, não escutaremos o rumor do vento nas árvores do mundo. Nem compreenderemos que o prato das inevitáveis perdas pode pesar menos do que o dos possíveis ganhos.

Os ganhos ou os danos dependem da perspectiva e possibilidades de quem vai tecendo a sua história. O mundo em si não tem sentido sem o nosso olhar que lhe atribui identidade, sem o nosso pensamento que lhe confere alguma ordem.

Viver, como talvez morrer, é recriar-se: a vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. Eventualmente reprogramada. Conscientemente executada. Muitas vezes, ousada.

Parece fácil: "escrever a respeito das coisas é fácil", já me disseram. Eu sei. Mas não é preciso realizar nada de espetacular, nem desejar nada excepcional. Não é preciso nem mesmo ser brilhante, importante, admirado.

Para viver de verdade, pensando e repensando a existência, para que ela valha a pena, é preciso ser amado; e amar; e amar-se. Ter esperança; qualquer esperança.

Questionar o que nos é imposto, sem rebeldias insensatas mas sem demasiada sensatez. Saborear o bom, mas aqui e ali enfrentar o ruim. Suportar sem se submeter, aceitar sem se humilhar, entregar-se sem renunciar a si mesmo e à possível dignidade.

Sonhar, porque se desistimos disso apaga-se a última claridade e nada mais valerá a pena. Escapar, na liberdade do pensamento, desse espírito de manada que trabalha obstinadamente para nos enquadrar, seja lá no que for.

E que o mínimo que a gente faça seja, a cada momento, o melhor que afinal se conseguiu fazer.


LUFT, Lya. Pensar é Transgredir, Ed Record, São Paulo.

Um comentário:

Presente de Anjo disse...

Como é bom eternizar momentos em nossas mentes ao mesmo tempo que compartilhamos a emoção de uma boa leitura.




"Escrever, por quê?" - Lya Luft
por que escrevo: como encontrar algo de original para
dizer na décima, na qüinquagésima ou centésima vez,
sendo atenciosa como qualquer pessoa merece,
sobretudo um estudante ou profissional das perguntas?
A resposta direta seria: escrevo porque sou ambivalente,
insegura e desejosa de cumplicidade.
Mas, com uma pontinha de malícia, às vezes dou uma
resposta torta: a questão não é por quê, mas "sobre o que escrevo".
De que falo, então, ao fazer minha literatura?
Um dos rótulos usados em relação a isso é "ela escreve
sobre mulheres". Constatação falhada, pois mulheres não são
meus personagens exclusivos, nem mesmo os mais
elaborados: são homens e crianças, casas com sótãos e porões, dramas
ou banalidades. Falo também do estranho atrás de portas,
mortos que vagam e vivos que amam ou esperam.
Escrevo sobre o que me assombra, às vezes desde a
infância.
Escrever para mim é sobretudo indagar: continuo a
menina perguntadeira que perturbava os almoços familiares
querendo saber tudo, qualquer coisa, o tempo todo. Portanto,
179
escrevo para obter respostas que - eu sei - não existem...
por isso continuo escrevendo.
E escrevo sobre possibilidades de ser mais feliz - isso, eu
sei também, depende um pouco de cada um de nós, de nossa
honradez interior, nossa fé no ser humano, nosso
compromisso com a dignidade. De sorte, e de decisões que muitas vezes
só anos depois poderemos avaliar.
Falo do que somos: nobres e vulgares, sonhadores e
consumidores, soprados de esperança e corroídos de terror,
generosos e tantas vezes mesquinhos. Invento para minhas
criaturas muito mais do que expresso em linhas ou silêncios -
sempre o mais importante de um texto meu. Mesmo que nem
mencione, sei se aquela mulher usa algodão ou sedas, se a
escada range quando ela caminha - ainda que nenhum
desses detalhes apareça no romance. Conheço a solidão daquele
homem, se cultiva medos secretos, se pensa na morte, se
desejaria ser mais amado.
E quando começo a "ser" essa pessoa, quando o clima da
obra me envolve e arrasta, chegou o momento em que o livro
quer ser escrito. Então estarei aberta a ele, escutando o que se
passa no meu interior. Boa parte do que escrevo brota desse
caldeirão de bruxas que é inconsciente e lucidez, memória e
invenção, susto e amadurecimento.
São meus e não são, esses vultos com seus destinos e
desatinos - que armo e desarmo. De repente aí estão meus
personagens: um olho, o contorno de um perfil, um gesto, um
riso ou uma tragédia, um silêncio e uma solidão. Persigo a sua
busca de significados.
Escrevo porque tenho prazer em elaborar com palavras
tantos destinos cujo fio nasce em mim, produzindo novelos
para que eu trabalhe minhas tapeçarias.
Escrevo para seduzir leitores: venham ser cúmplices da
minha perplexidade fundamental, essa que me move.
Não se pode esquecer também que escrevo propondo
uma releitura dos valores familiares e sociais de meu tempo:
cada um de meus romances pode e deve ser lido como uma
denúncia da hipocrisia, da superficialidade e da mentira nos
tipos de relacionamento mais estranhos ou mais comuns.
Não é apenas o imponderável e misterioso que me interessa,
mas o grande desencontro humano.
O escritor fala pelos outros. Trabalha para que os outros
sonhem ou enxerguem melhor coisas que nem ele próprio
adivinha - estão além de sua visão, mas dentro do seu
pressentimento.
Talvez seja essa a função de toda a arte (se é que ela tem
alguma): a libertação e o crescimento de quem a exerce e de
quem a vai contemplar.
Nessa medida a pessoa do escritor é desimportante:
valem os questionamentos que faz, e a forma com que
elabora em textos a nossa essencial contradição - matéria viva de
sua contemplação e arte.