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Posso ser séria, brincalhona, distraída, chata, abusada, legal,ótima, travosa (como diz um grande amigo) isso depende de você, de mim, do dia ou da situação. Quer mesmo saber quem sou eu? Precisa de mais proximidade. Gosto de ler e escrever, embora nem sempre tenha tempo suficiente para tais práticas. Gosto de tanta coisa e de tantas pessoas que não caberiam aqui se a elas fosse me referir uma por uma. Acho a vida um belo espetáculo sem ensaios onde passeamos dia a dia a procura da felicidade. Para falar mais de mim profissionalmente: Sou professora. Graduada em Letras-FAFICA. Atualmente estudo sobre Leitura Literária no Ensino Fundamental. Atuo no Ensino Fundamental e no Ensino Médio.

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terça-feira, 16 de agosto de 2011

Amor digital Marcia Tiburi

Amor digital
Marcia Tiburi discute o amor digital: da teologia-política do corpo à tecnologia-política do afeto
Publicado em 09 de setembro de 2010
Marcia Tiburi
A história da teoria e da prática do amor está intimamente ligada a uma conceituação do corpo. O que entendemos por corpo está, por sua vez, condicionado às teorias e práticas da ciência e da tecnologia. O amor platônico é das épocas dualistas em que corpo e alma se opõem. O amor romântico é o do tempo da crença na procriação e no casamento e, por isso, é amor regulador do corpo das mulheres. O amor livre dos anos 1960 e 70 do século XX resulta de uma compreensão do corpo como experiência do prazer e de uma liberdade possível. Assim é que cabe avaliar o estatuto do que chamamos de amor em uma era digital.
Não é possível não falar desse afeto essencialmente corporal quando suas novas formas revisitam os modelos mais antigos e as mesmas questões teológicas que fizeram sua história mostram-se inultrapassáveis. Como sempre tivemos medo do corpo, natural que tenhamos também medo do amor que dele provém, no sentido mais primitivo de sua experiência. Aprendemos o amor como o aconchego máximo no corpo do qual nascemos. Podemos dizer que o amor é o modo de ser de nossos corpos mamíferos que sobrevivem no calor. Normal que uma cultura da produtividade e da competição desenvolva o horror ao corpo, já que abandonar-se a ele seria abandonar-se a Eros.
Eis a hipótese básica da teoria freudiana que contrapõe Eros e civilização. Assim é que, de aconchego e prazer do corpo, o amor tenha sido sublimado em linguagem e, em sua forma mais antiga, a do mito com o qual ainda não perdemos o contato. Embora o amor tenha vários significados, ontem como hoje ainda vemos o amor como um deus – o que os gregos chamaram Eros e os latinos chamaram Cupido. Passamos a entender isso que os gregos chamaram Eros como o próprio amor romântico. O afeto – ideia e prática – que um amante dedica a outro é necessariamente mediado pela imagem de um deus que nada mais é do que um agente mediador de uma relação. Assim, o mito de Eros expõe um jogo sagrado: flechando o desavisado, Eros o condena ao pathos, ao afeto que ultrapassa sua capacidade de autocomando pela razão.
Meios para chegar a fins
Absorvidos nessa experiência, aqueles que falam “do amor” pronunciam-se sempre segundo uma perspectiva hipostática, como que falando de uma substância sobrenatural e não de uma invenção cultural articulada em discurso e, como tal, fala pronta que pode ser repetida ad nauseam. Posto como verdade ancestral que suspende a questão do poder e da política própria a qualquer discurso, a compreensão romântica do amor é uma redução que favorece uma sublimação do corpo. É o corpo, o grande abismo, que os discursos do amor se especializaram em evitar. Mas, se antes o discurso vinha da Igreja e do Estado, instituições que detinham a máquina ideológica, hoje ele provém de democráticas mediações virtuais que naturalizam o artificial. Quem precisaria da flecha do Cupido quando tem a internet por perto?
O amor é histórico. Muda conforme mudam os meios pelos quais se estabelece uma relação com o corpo do outro. A forma de relação a que chamamos amor sempre foi mediação em relação ao abismo que é o corpo do outro. Essa mediação foi ideológica, poética, religiosa, científica, estética, política e filosófica. Atravessado por teorias, o amor foi também fruto dos media, dos meios de comunicação que, historicamente, permitiram que seres humanos se relacionassem uns com os outros. O amor romântico começa com a poesia, segue por séculos com a troca de cartas, chega à literatura pelo romance, expande-se contemporaneamente por meio de chats, plataformas virtuais e redes sociais em geral.
Os meios sustentam discursos e, assim, abonam a existência do corpo manifestando que a história do amor é a da morte da libido pelo triunfo do discurso. O amor é, entre nós, basicamente o desejo pelo corpo do outro, mas esse desejo pode prescindir do corpo como se pode perceber na ideologia do amor platônico – como amor idealizado – que avança no romantismo como culto a uma mulher idealizada, intangível, doente ou até morta. A versão contemporânea do amor digital, este amor que se estabelece como uma relação de linguagem possibilitada pela vida dos dedos sobre as teclas, impõe-nos pensar a máximarealização do discurso e da idealização. A era digital vem confirmar que não é apenas o corpo que lançamos no abismo, mas que podemos, na verdade, nos livrar de todo abismo pelo discurso.
O amor tornou-se facilmente uma forma de discurso que determina relações corporais como institucionais. Seja o da Igreja afirmando que o que Deus une o homem não separa, que teologiza a instituição do casamento, sejam as memórias do conquistador Giacomo Casanova, que pelo menos rendeu boa literatura, seja a conversa do conquistador que antes da revolução sexual usa sua “lábia” como único modo de acesso ao sexo com uma mulher antes que os rituais institucionais legalizassem a questão. O amor digital não precisa da passagem ao corpo, pois o que ele garante é um completo conforto distante do corpo pela substituição da libido. Enquanto falo, não faço, e, assim, economizo tempo, o risco de doenças, o sofrimento como um risco emocional. Garanto, assim, a sustentação da economia política dos afetos.
Questão semiótica
O amor é basicamente ligação. É aquilo que liga nosso corpo à nossa linguagem. Como questão corporal e como prática discursiva, o amor é também um problema semiótico sempre dito por meio de signos que o sustentam. A esse propósito é interessante lembrar que o signo mais importante da história do amor, a saber, o coração, perdeu seu estatuto. Por meio dele podemos compreender a crise do afeto mais desejado da história humana. Crise que se deve ao fato de que a sociedade, seguindo a medicina moderna, creditou ao coração a posição de órgão da vida e da morte por muito tempo. Desde que o coração deixou de ser o órgão da vida, o que aconteceu quando uma comissão de médicos de Harvard propôs o conceito de morte cerebral, no fim dos anos 1960, a semiótica cotidiana e poética do amor está prejudicada, afinal, continuar usando o coração para falar das tais razões desconhecidas perdeu o sentido. Essas razões são descartadas na nova ordem do amor digital.
Sem o coração o amor entra na era cerebral. As desvantagens das razões do coração aumentam com o avanço das ciências do cérebro que, em algum momento, farão um mapeamento do amor. A complexa questão do cérebro, no entanto, serve aqui apenas para lembrar que ela combina bem com os novos tempos do amor digital, posto que o cérebro é órgão análogo ao computador. Se o amor é afeto que nasce de nossas necessidades corporais, se ele é memória do aconchego, o amor em tempos digitais vem apenas mostrar quão distantes estamos de nossos corpos desde que nos bastamo nos meios pelos quais podemos praticar um amor sem corpo.
A era digital impõe pensar teorias que orientam práticas, sobretudo, que uma teologia-política do amor se transformou em tecnologia-política. Prática digital de nosso tempo, o discurso amoroso sempre se valeu da impossibilidade do amor alcançada pela idealização. A mais nova versão do amor para além do corpo é esse amor digital que, sem corpo, e pela ponta dos dedos, vem digitalizar a experiência corporal mostrando-nos que, neste mundo secularizado permanecendo na mediação, estamos no ápice da teologia. Amor digital é a vida da relação em que, jogando fora o corpo, mantemos apenas o que nos liga a ele sem que, paradoxalmente, ele esteja entre nós. Eis que o “desejo do corpo” tornou-se um “desejo dos dedos” medido em caracteres. Cada teclada vale como uma flechinha lançada a fundo perdido no deserto onde o desejo sem ter o que alcançar não sobreviverá sozinho.

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